Vanusa Murta Agrelli[1]
Você conhece a sua cidade? Jaime Lerner no livro Acupuntura Urbana, provoca o leitor com indagações tais como: “Até onde você gosta da sua cidade? [...] Você a conhece, sente-se parte dela?”[2]
A importância do Vale do Anhangabaú se vê na Resolução CONPRESC37/92 que tombou 293 edificações e 9 logradouros públicos do ambiente urbano.O Vale do Anhangabaú foi palco de eventos históricos, políticos e culturais e suas imediações carregam marcas de múltiplos atos relacionados aos direitos humanos e à cidadania. Em 16 de abril de 1984, ecoou o grande comício Diretas Já, reverberando brados de 1,5 milhão de manifestantes que demandavam eleições diretas.
A estátua Giuseppe Verdi, do escultor Amadeo Zani, está disposta entre os edifícios Mercantil Finasa e Conde de Prates, numa área que representa o último vestígio topográfico da encosta verde remanescente do projeto do Parque do Anhangabaú, do urbanista Joseph Antoine Bouvard. O tombamento no nível máximo, estende-se para a escadaria e balaustrada entre Rua Libero Badaró, Parque do Anhangabaú e Quadras 078 e 079.
No contorno do Vale, edificações ornam o cenário, destacando-se a Prefeitura esverdeada pelos jardins suspensos; o Palácio dos Correios (projetado por Ramos de Azevedo em 1918); o Edifício Alexandre Mackenzie, conhecido como Shopping Light (obra concluída em 1929 para abrigar a sede da canadense The São Paulo Tramway, Light and Power Cia Ltda êProjeto dos arquitetos Preston e Curtis); o Teatro Municipal; a Praça das Artes (projeto dos arquitetos Marcos Cartum, Francisco Fanucci e Marcelo Ferraz) planejada para dar suporte ao Teatro Municipal. Merece destaque a Praça da República (tombada como preservação integral) ladeada pelo Edifício Esther, com traços influenciados por Le Corbusier(projeto dos arquitetos Álvaro Vital Brasil e Adhemar Marinho), um ícone da arquitetura vertical em São Paulo, por trata-se de edifício de uso misto, num tempo em que edificações verticais eram destinadas ao comércio e escritório ou para a classe com capacidade econômicaprecária, eram projetos de interesse social ou cortiços.
Numa das extremidades do Vale, brilha o Viaduto Santa Efigênia (projeto do escritório Micheli e Chiappori), entregue ao trânsito em 1913, atualmente de uso do pedestre, destaca-se como um dos remanescentes mais importantes da arquitetura de ferro da cidade. Na outra extremidade, o Viaduto do Chá (1892), sob o qual está disposta a edificação que recebeu a primeira escada rolante do Brasil, ligando o Vale à Praça do Patriarca, que recebeu o pórtico projetado por Paulo Mendes da Rocha. No andar intermediário, a Galeria Prestes Maia.
Com tantos elementos urbanísticosportadores de relevos culturais, o Anhangabaúestava distante da população. Um espaço público desvitalizado que não servia ao público na medida do seu potencial, poucousado como caminho e pouquíssimo como destino.Foi necessária uma intervenção para que o Vale assumisse o Anhangabaú, entregando-se ao cidadão como espaço para uso, centro de relações, entretenimento e como elo entre edificações históricas que o vazio humano do Vale tornou distantes. A intervenção foi incentivada por estudos de Jan Gehlque diagnosticou fragilidades desestimuladoras da presença do público (uma doação à Prefeitura de Haddad).[3]
Enquanto numa escala maior, a região central anseia por intervençõestituladascidades equivalentes (cidades dentro de bairros), transmudando áreas hostis, apagadas, com edifícios subutilizados em lugares atraentes para o cidadão, o Vale do Anhangabaú clamava por intervenções planejadas para costurar os tecidos urbanos estanques, mediante configurações determinantes de relações sociais, segurança,micromobilidades e inclusão.
Precisamos de mais planejamento com estratégias que destinem à escala humana a reapropriação de espaços públicos, em que a velocidade do pedestre estimule a conectividade com a arquitetura, elementos culturais e verdes, de modo que a percepção do espaço urbano se realize na escala da contemplação e não de estresse.
[1]Advogada com destacada trajetória em direitos coletivos e impactos socioambientais: meio ambiente, sustentabilidade urbana-ambiental, saúde e qualidade de vida. Mestre em Derecho Ambiental y Sostenibilidad (Universidad de Alicante| España) e em Ciências Jurídicas (Univali). Pós-graduanda em Planejamento e Gestão de Cidades na POLI-USP. Autora de artigos publicados no Brasil e no exterior. E-mail: vmurta.advocacia@gmail.com