TRF-1 afasta avaliação de autodeclaração racial da UFMT sem previsão em edital

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Fernando Cesar de Oliveira Faria e Diego Renoldi Quaresma

 

A instituição de comissão para analisar a autodeclaração racial de alunos cotistas, sem que exista previsão para tanto em edital de exame vestibular, é inconstitucional, ilegal e representa inovação indevida. O entendimento é da 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), que negou provimento a um recurso de apelação da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT).

 

O recurso foi interposto contra uma sentença proferida pelo Juízo da 2ª Vara Federal Cível da Seção Judiciária de Mato Grosso. Nela, o juiz federal Hiram Armenio Xavier Pereira, confirmando a liminar, decretou a nulidade da sujeição de oito estudantes à comissão de heteroidentificação, sem previsão em edital, assegurando a todos a permanência nos cursos de Medicina, Medicina Veterinária, Psicologia e Engenharia Florestal - na UFMT (muitos prestes a se formar).

 

Em seu recurso, a UFMT disse que o ato impugnado estaria de acordo com a lei que rege o sistema de cotas étnicas para admissão no ensino superior, em especial, no tocante aos critérios de auto e heteroidentificação; que as autodeclarações estariam sujeitas a exame posterior; que a comissão de heteroidentificação, em procedimento regular de apuração, decidiu pelo cancelamento das matrículas da aluna, não havendo qualquer vício que justifique a anulação do ato.

 

Esses argumentos não foram aceitos pelo TRF1 que, em decisão colegiada unânime, ao acolher os argumentos da defesa dos estudantes, asseverou que “o edital é a lei que rege a aplicação dos certames públicos, sendo o instrumento norteador da relação jurídica entre a Administração e os candidatos, vinculando ambos e pautando-se por regras isonômicas e imparciais. Em atenção ao princípio da vinculação ao edital, se o instrumento convocatório prevê apenas a autodeclaração, posteriormente, não devem ser estabelecidos novos critérios, mesmo sob o argumento de confirmar a veracidade do documento”.

 

Em seu voto, o relator Desembargador Federal Carlos Augusto Pires Brandão destacou que “ao optar pelo sistema de autodeclaração, sem indicar a possibilidade de aferição posterior das informações por comissão constituída para esse fim, a Universidade permitiu a autoidentificação, não devendo, após quase dois anos, alterar as regras editalícias e cancelar a matrícula dos alunos. Ainda, o cancelamento das matrículas resultaria em prejuízos não apenas aos estudantes, mas também se mostra contrário ao interesse público, diante do montante já despendido com a formação dos discentes.”

 

Por fim, o TRF1 chamou atenção para a ausência de dolo ou má-fé no preenchimento da autodeclaração, circunstâncias que têm implicação inclusive na seara criminal, a descaracterizar eventual imputação de falsidade ideológica: “Não havendo evidências de fraude ou má-fé que afastem a presunção de veracidade das afirmações dos candidatos, devem prevalecer as autodeclarações com a informação de que os estudantes são pardos. Assim, deve ser mantida a sentença que assegurou a matrícula dos impetrantes”, concluiu o relator, Desembargador Federal Carlos Augusto Pires Brandão.

 

Os advogados Fernando Cesar de Oliveira Faria e Diego Renoldi Quaresma atuaram no processo. Para eles, muito embora seja discutível se há ou não a necessidade de controlar possíveis fraudes por meio de comissões, o único critério exigido dos impetrantes foi o da autodeclaração, sendo, portanto, inconstitucional e ilegal fazer retroagir normas não existentes ao tempo do processo seletivo.

 

“A UFMT analisou o fenótipo dos impetrantes simples e inaceitavelmente por fotos de redes sociais, juntadas mediante um documento apócrifo”, disseram, em petição inicial, os advogados Faria e Renoldi.

 

Com a decisão, os estudantes têm garantido o direito de concluírem os respectivos cursos, sem qualquer comprometimento acadêmico.

 

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Processo 1000313-08.2021.4.01.3600