Pedro Henrique Carvalho da Costa*
O índice mais comum para reajuste de preços de contratos de locação, o Índice Geral de Preços do Mercado (IGP-M), teve alta expressiva no ano de 2020, na casa de 23,14%. Isso levou muitos inquilinos a questionarem a possibilidade de alteração no índice ou sua minoração, já que sua manutenção representaria um reajuste de quase 1/4 do valor da locação.
É importante compreender que o IGP-M é constituído pela média ponderada entre três índices distintos: o Índice de Preços do Atacado (60%), o Índice de Preços do Consumidor (30%) e o Índice Nacional de Custo da Construção (10%). A explicação para sua alta considerável se deve a alterações no câmbio em 2020, uma vez que a maior parte do índice é composta por commodities, especialmente ligadas ao setor industrial. Como esses produtos são cotados em dólar, houve um aumento sensível em seu preço e, como consequência, no IGP-M.
Considerando o cenário de alta, é possível que seja do interesse de locatários buscar alguma sorte de alteração para o índice, seja sua substituição por outra ou alteração na periodização do reajuste. A primeira solução a ser buscada deve sempre ser a negociação direta com o locador do imóvel. Contudo, considerando como esse índice é consolidado no mercado, muitos locadores podem se mostrar desconfortáveis com sua alteração.
A segunda possibilidade que é ofertada para locatários é o ingresso de uma medida judicial para a revisão do valor da locação. A Lei de Locações traz a possibilidade de as partes alterarem, no curso da contratação, não somente o valor do aluguel, mas também especificamente o índice de reajuste de preços (artigo 18). Portanto, há fundamento legal para solicitar aos locadores uma modificação do IGP-M para outro índice. Caso as partes não cheguem a uma decisão consensual sobre o assunto, é possível ingressar com uma ação revisional de aluguéis no Poder Judiciário, desde que o contrato esteja vigente há, pelo menos, três anos (artigo 19).
Independentemente da via escolhida (judicial ou extrajudicial), é necessário que o pedido seja instruído com sólidos argumentos, capazes de convencer o locador ou o juiz da necessidade de alteração do índice, demonstrando que o IGP-M não é o que melhor representa a inflação de 2020, ao menos para esses tipos de contratos.
Entre os argumentos jurídicos que podem ser invocados está a teoria da imprevisão. Ela está ligada à onerosidade excessiva, prevista nos artigos 478 a 480 do Código Civil, os quais impõem a possibilidade da revisão de um contrato de longa duração caso a prestação torne-se muito onerosa para o devedor, devido a fatos imprevisíveis no momento da contratação. Como as partes não podiam prever a alta expressiva do IGP-M quando da celebração do contrato, há uma necessidade de rever os termos originais da contratação.
Outro argumento jurídico que pode ser trazido, relacionado à teoria da imprevisão, é a cláusula rebus sic standibus. Trata-se de uma cláusula que é considerada implícita em contratos de longa duração, segundo a qual a contratação foi realizada em condições específicas e relacionada aos fatos existentes no momento da celebração do pacto. Caso a situação fática se altere sensivelmente, surge uma pretensão para as partes requererem a revisão do contrato, de forma que se adeque à nova realidade em que as partes se encontram.
Há julgados da década de 1990 no Superior Tribunal de Justiça que relativizam o princípio do pacta sunt servanda com a teoria da imprevisão e a cláusula rebus, entendendo que, a depender das condições fáticas, impossíveis de se antever, é possível alterar o índice de correção de contratos de locação ou, ao menos, alterar a periodicidade do reajuste.
Em julgado recente que trata de locações (Agravo Interno no Recurso Especial nº 1543466), o STJ reafirmou sua jurisprudência, no sentido de autorizar a revisão de contratos com base nos argumentos da teoria da imprevisão e da onerosidade excessiva, os quais devem ser devidamente comprovados pela parte que solicita a revisão.
Já há ações judiciais tramitando com pleitos de revisão do IGP-M. No processo nº 1000029-96.2021.8.26.0228, em trâmite na 12ª Vara Cível do Foro Regional de Santo Amaro, em São Paulo, a juíza concedeu liminar para alterar o índice de correção no contrato, do IGP-M (cuja alta foi de 23,14%) para o IPC (cuja alta foi de apenas 4,86%), compreendendo que a situação fática, alinhada à pandemia de COVID-19, permitia uma modulação dos termos originalmente contratados, vez que as prestações originais tornaram-se excessivamente onerosas.
Outro argumento sólido que é possível levantar (seja em um pleito direcionado para os locadores ou em uma ação judicial) é que a correção monetária foi criada para manter o preço dos contratos em valores o mais real possível, para evitar o enriquecimento de uma parte às custas da outra, por conta da desvalorização monetária. Esse entendimento é consubstanciado com a jurisprudência do STJ, visível no acórdão do Recurso Especial nº 1340199, por exemplo.
O IGP-M, com a alta expressiva que teve, não está exprimindo essa intenção adequadamente, uma vez que não houve uma desvalorização do real de 23,14% em 2020. Em realidade, continuar com esse índice poderia levar ao enriquecimento sem causa de locadores, conflitando com o objetivo primordial do instituto da correção monetária.
Além disso, o uso do IGP-M para a correção de aluguéis, apesar de ser amplamente aceito no mercado de locações, não é oriundo de imposições legais, sendo lícito às partes utilizarem o critério que preferirem e, da mesma forma, um julgador pode modificar o índice por outro que entenda como mais adequado para os fins da correção monetária (como a modificação pelo IPCA, IPC ou INPC, índices que estão mais próximos da realidade e com variações menos notáveis).
Dessa forma, há argumentos sólidos para se requerer a revisão do IGP-M em contratos de locação, sejam eles residenciais ou comerciais, sendo sempre recomendada, primeiramente, uma negociação com o locador e, somente caso esta se mostre infrutífera, refletir sobre a viabilidade de uma demanda judicial de revisão, considerando os argumentos levantados e a realidade do locatário.
*Pedro Henrique Carvalho da Costa é advogado do Departamento Corporativo da Andersen Ballão Advocacia.
Sobre a Andersen Ballão Advocacia – Fundado em 1979, o escritório atua na prestação de serviços jurídicos nas áreas do Direito Empresarial e Comercial Internacional. Também possui sólida experiência em outros segmentos incluindo o Direito Tributário, Trabalhista, Societário, Aduaneiro, Ambiental, Arbitragem, Contencioso, Marítimo e Portuário. Atende empresas brasileiras e estrangeiras dos setores Agronegócios, Automotivo, Comércio Exterior, Energias, Florestal, Óleo e Gás, TI, e Terceiro Setor, dentre outros. Com a maioria dos especialistas jurídicos fluente nos idiomas alemão, espanhol, francês, inglês e italiano, o escritório se destaca por uma orientação completa voltada para a ampla proteção dos interesses jurídicos de seus clientes.