Entre a Oportunidade e o Risco: O Papel do Modelo Fleuriet nas Médias Empresas

 

No Brasil, a trajetória de uma média empresa em direção ao crescimento acelerado pode parecer instigante, mas muitas vezes esconde armadilhas perigosas. A busca por escala deve vir acompanhada de disciplina financeira e planejamento. Sem isso, o que aparenta ser um salto rumo à consolidação pode se transformar em um mergulho em dívidas e insolvência.

Antes de expandir operações, elevar produção ou assumir contratos volumosos, a empresa precisa avaliar a sua necessidade de capital de giro (NCG). Margem de lucro projetada, sozinha, não garante sobrevivência. Se o caixa não acompanhar o ritmo de crescimento, o risco de overtrading, crescer além da estrutura suportável, torna-se uma realidade.

A dinâmica do capital de giro de uma empresa e a identificação dos riscos de desequilíbrio financeiro pode ser analisada a partir do Modelo Fleuriet. Ele demonstra que, em empresas com ciclo financeiro positivo (ou seja, que recebem depois de pagar seus fornecedores), o crescimento acelerado das vendas pode gerar o Overtrading. Ao aumentar muito as vendas, a necessidade de capital de giro também cresce, é preciso comprar mais insumos, manter mais estoques e conceder mais prazo aos clientes. 

 Mas, se o Capital Circulante Líquido (CCL), que é o capital próprio disponível para financiar essa necessidade, não cresce na mesma proporção, abre-se um gap. Esse espaço costuma ser preenchido com endividamento de curto prazo (como capital de giro bancário e desconto de duplicatas), aumentando a dependência financeira e a exposição a juros mais altos e riscos de liquidez. O modelo alerta que crescer sem reforçar a estrutura de capital de giro pode transformar um bom momento comercial em um problema financeiro, pois a empresa passa a depender excessivamente de crédito bancário para sustentar a operação.

Um caso emblemático é o de uma empresa metalmecânica do Vale catarinense. Com 600 funcionários, conquistou um contrato de R$ 30 milhões, margem de 25% e entrega em seis meses. No papel, parecia uma oportunidade de ouro, com lucro estimado em R$ 7,5 milhões. Mas havia uma armadilha: o contrato previa pagamento integral apenas na entrega final. Sem adiantamentos, a empresa queimou caixa rapidamente. Em apenas quatro meses, já havia estourado limites bancários e com fornecedores. Resultado: faltou fôlego para terminar o projeto. A lição é clara: um contrato rentável pode levar à falência se não houver atenção à dinâmica de caixa.

Em contrapartida, uma indústria têxtil mostrou como é possível escalar com solidez. Com ciclo financeiro de cerca de 140 dias - naturalmente exigente em capital de giro - a empresa calculou que seu limite de crescimento sustentável era de 30% ao ano. Optou por crescer de forma conservadora, entre 20% e 23% ao ano, com gestão rigorosa de prazos, estoques e clientes. O resultado foi a expansão consistente, sem crises de liquidez, mantendo credibilidade junto a fornecedores e ao mercado. Esse caso demonstra que respeitar os limites impostos pela NCG não é conservadorismo excessivo, mas sim estratégia de sobrevivência e longevidade.

Para não confundir expansão saudável com crescimento ilusório, é fundamental observar alguns sinais de alerta: Vendas crescentes sem melhora do caixa; Dependência crescente de capital de giro superior à geração interna; Uso constante de crédito de curto prazo para financiar a operação corrente.

Ferramentas práticas como o cálculo da NCG, a análise do autofinanciamento e a comparação entre o crescimento projetado e o crescimento máximo sustentável devem ser parte do dia a dia das empresas que buscam solidez.

Crescer não é apenas vender mais. É crescer dentro da capacidade financeira, preservando a credibilidade, o relacionamento com fornecedores e a saúde do caixa. Empresas que entendem esse equilíbrio conseguem atravessar crises, conquistar mercados e transformar oportunidades em resultados duradouros.

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