Por Fabíola Sucasas Negrão Covas, (*) Promotora de Justiça do Ministério Público de São Paulo. Membra Auxiliar da presidência do Conselho Nacional do Ministerio Público. Gestora suplente do Projeto Respeito e Diversidade do CNMP. Titular da promotoria de Enfrentamento da Violência Doméstica do Ministério Público do Estado de São Paulo, capital. Autora de “A vida, a saúde e a segurança das mulheres: como entender a violência e saber se proteger”
Em texto encomendado por Economy & Law, pude demonstrar que ao assumir gastos que totalizam cinco mil dólares por mês a mulheres em situação de violência, a Austrália reconheceu que esta realidade não apenas representa problema individual que afeta a capacidade das mulheres se manterem ao deixar relacionamentos abusivos, mas também algo que impacta o desenvolvimento econômico do país.
O tema da relação entre a economia e a violência contra a mulher, uma das expressões da desigualdade de gênero, é pauta do Fórum Econômico Mundial há 15 anos. Os resultados do último relatório desta instituição apresentaram projeções preocupantes, um salto que aumentou a expectativa da igualdade de gênero de 99,5 para 135,5 anos . Os maiores obstáculos concentram-se nos eixos da participação política e desafios no local de trabalho.
De fato, como demonstram documentos do Ranking da União Parlamentar e do Tribunal Superior Eleitoral, a desigualdade da representatividade feminina na política tem sido denunciada há 89 anos, desde que o direito ao sufrágio feminino passou a ser reivindicado. O Brasil está em 142º lugar dentre 192 países na ocupação de cadeiras parlamentares por mulheres, atrás de quase todas as nações da América Latina. O TSE apurou que os índices não chegam a 17%.
E é na economia onde estão as maiores lacunas. Os cálculos apresentam projeção que salta para mais de 267,6 anos o abismo entre o acesso a rendas e cargos de liderança, diferenças devidas ao maior tempo que as mulheres gastam ao dedicarem-se ao trabalho não remunerado de pelo menos o dobro do tempo em relação os homens. No Brasil, o IBGE divulgou recentemente relatório que as mulheres ganham 78% do que os homens, conforme se demonstram no PNAD - Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua de 2012 a 2020.
Nos recortes da interseccionalidade, esse abismo se aprofunda. A maior distância de rendimentos entre mulheres e homens ocorre justamente na comparação das mulheres pretas ou pardas com os homens brancos. O IBGE calcula que o valor constitui menos da metade do que recebem os homens brancos, na base de 44,4% (conforme dados de Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil, IBGE, 2019), o que denota estar a mulher negra na base da hierarquia social, considerado o grupo mais penalizado quanto as oportunidades e a estrutura ocupacional, como definiu Sueli Carneiro em seu texto Mulher Negra publicado em Escritos de uma Vida, de 2018.
A desigualdade de gênero está associada a construção sociocultural em que desvalores e atos de discriminação advém de estigmas marcados historicamente em um sistema onde a dominação masculina é naturalizada e retroalimentada. Sintomático o fato de que o fechamento de escolas e creches e o recrudescimento das responsabilidades nas tarefas domésticas e de cuidados a terceiros durante a pandemia constituíram as principais causas do agravamento do cenário às mulheres.
O assédio sexual, a violência doméstica e a violência política são alguns dos exemplos da expressão da desigualdade de gênero, repudiados por tratados internacionais ratificados pelo Brasil. Segundo a Organização Mundial de Saúde, a violência física e sexual afeta mais de um terço de todas as mulheres do mundo. Nos Estados Unidos, estimou-se em 5,8 bilhões de dólares o custo anual total da violência conjugal contra a mulher em 1995 e mais de US$ 1 bilhão perdidos com prejuízos à economia em função das vítimas fatais, expôs Milma Pires de Melo Miranda em “Violência conjugal física contra a mulher na vida: prevalência e impacto imediato na saúde, trabalho e família”.
O problema, para além Segurança Pública, possui implicações para o desenvolvimento do país, envolvendo instabilidade laboral, subemprego, empobrecimento da mulher, perda de produtividade, custos para o sistema de saúde e perda também das gerações futuras. A pesquisa "Impactos Econômicos da Violência contra a Mulher" da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (FIEMG) trouxe o dado de que a violência contra a mulher provocou, nos últimos dez anos, queda de R$ 214,4 bilhões no PIB brasileiro, além da perda de 2 milhões de empregos, redução de R$ 91,4 bilhões na renda das famílias e de R$ 16,4 bilhões na arrecadação do governo. Não à toa, o FMI concorda que acabar com a violência contra as mulheres cuida-se de um imperativo econômico relevante.
Respostas existem para o cenário, uma delas consagrada na Plataforma de Ação de Pequim ao trazer a noção do empoderamento como instrumento de promoção da situação e dos direitos da mulher. O termo consiste em incentivar a mulher a ter controle sobre o seu desenvolvimento, devendo o governo e a sociedade criar as respectivas condições – inclusive econômicas - e apoiá-la nesse processo.
Fazendo coro, a ex-ministra das finanças da França Christine Lagarde, baseada em pesquisa do FMI (What is Driving Women’s Financial Inclusion Across Countries?), reforçou os benefícios da inclusão financeira para a proteção das mulheres contra o assédio. No trabalho “Ending harassment helps the economy too”, descobriu-se que mulheres com maior proteção contra este tipo de violência têm maior probabilidade de abrir uma conta bancária, pedir emprestado e economizar, e fazer uso de serviços financeiros. Por isso, investir na igualdade de gênero e na promoção da igualdade de oportunidades são condições ínsitas para o maior crescimento e produtividade do país. Gênero é pauta de economia e desenvolvimento.