Por Anderson Albuquerque, sócio do Albuquerque & Alvarenga Advogados
A proteção da família é um dos pilares do Direito. O bem de família é o imóvel onde um casal ou uma entidade familiar reside, é o porto seguro da família, que garante o direito constitucional à moradia, portanto sua impenhorabilidade é assegurada por lei.
Deste modo, se um dos cônjuges ou um dos membros da família tiver uma dívida, o imóvel não pode ser penhorado para que ela seja quitada. A Lei 8.009/1990 dispõe sobre a impenhorabilidade do bem de família:
“Art. 1º O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei.
Parágrafo único. A impenhorabilidade compreende o imóvel sobre o qual se assentam a construção, as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional, ou móveis que guarnecem a casa, desde que quitados. (...)”
A impenhorabilidade do bem de família, no entanto, não é absoluta. Há exceções, como quando há a violação do princípio da boa-fé. Mas o que estabelece o princípio da boa-fé objetiva?
O princípio da boa-fé é aquele que deve ser base de toda transação jurídica, estabelecido pelo Código Civil no artigo 422: “Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.”
A jurisprudência vem, assim, decidindo pela possibilidade da penhora do bem de família quando fica claro o abuso do devedor, que muitas vezes indica o bem de família como garantia fiduciária em financiamentos e empréstimos.
Em 2019, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve acórdão do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR), que utilizou o entendimento da impenhorabilidade do bem de família nos casos de violação do princípio da boa-fé objetiva.
Um empresário ofereceu seu imóvel para quitar R$ 650 mil em dívidas, e mais tarde alegou sua impenhorabilidade por ser bem de família. A credora afirmou que o mesmo violou o princípio da boa-fé objetiva, ao declarar que o bem era de família somente após a penhora ter sido formalizada.
A relatora, a ministra Nancy Andrighi, ressaltou que existem dois tipos de bem de família: o legal, já aqui citado, e o voluntário:
“Com relação ao bem de família voluntário, o CC/02 permite que qualquer bem seja gravado como bem de família, até mesmo aquele que seja de maior valor, desde que não ultrapasse o valor de um terço do patrimônio líquido existente no momento da afetação. Diferentemente daquele previsto na lei especial, o bem de família voluntário somente pode ser instituído por intermédio de escritura pública ou testamento do próprio integrante da família ou de terceiro.”
O empresário recorreu, mas a relatora salientou que ele não fez nada para que o imóvel fosse designado como bem de família, logo não podia ofertá-lo. Deste modo, admitiu a possibilidade do bem de família ser dado como garantia no acordo que foi celebrado com a autora da ação.
Conclui-se, de tal modo, que a proteção do bem de família não é indiscriminada, ou seja, sua impenhorabilidade não é garantida quando o princípio da boa-fé objetiva, da ética nas relações de negócio, for violado.