JOAO MAIA - Advogado criminalista, especialista em processo penal e garantias - Presidente da Comissão de Política Penitenciária do Instituto de Proteção das Garantias Individuais (IPGI).
Não é de hoje que vemos uma crescente tentativa de redução de direitos na esfera penal. Tudo se justificaria no antiquado argumento do combate à impunidade. Em geral se apegam em um caso específico para transpor para um sem número de pessoas que, via de regra, não tem qualquer relação com o caso.
Poderia citar diversos exemplos disso, como as recentes reduções do escopo do indulto natalino- somente para casos de doença e agentes de segurança em casos específicos-, mas vamos falar do PL 407/2022 da Câmara dos Deputados que exclui dispositivos da Lei de Execuções Penais, notadamente os artigos 122 a 125 que tratam da saída temporária.
O projeto tem como justificativa: ‘‘nos últimos anos, é cada vez maior a parcela de condenados que viola as autorizações de saída, praticando novos crimes quando do gozo do benefício ou deixando de regressar aos estabelecimentos prisionais no prazo devido’’.
A proposta merece diversas reflexões. Se, por um lado é verdade que alguns presos não retornam no prazo estipulado, por outro, não se deve desconsiderar aqueles reeducandos que retornam.
Aliás, apenas para citar um exemplo, dados do Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro demonstram que, no ano de 2021, mais especificamente em dezembro, tínhamos 51.412 presos, sendo 15.115 em regime semiaberto, e a evasão naquele mês foi de 24 presos, ou seja, menos de 0,2%. Em contrapartida, só de ingressos no sistema prisional foram 2.472.
Se, já não é verdade que é preciso retroceder em direitos que proporcionam aqueles que de fato, pretendem reeducar-se e voltar paulatina e progressivamente à sociedade, muito menos verdade é que esse número é relevante e crescente.
O que causa maior espécie é que se propõe o aumento do rigor no cumprimento da pena, mas nada se fala em relação ao cumprimento dos mais básicos direitos como alimentação, higiene e não superlotação.
E não é só. Aqueles que não retornam têm contra si uma série de consequências, como regressão de regime, bem como aquelas do artigo 125 da Lei de Execuções Penais que se pretende ver revogado, ou seja, só poderão ter novamente a saída temporária, se houver o cancelamento da punição disciplinar correspondente ao não retorno, como também, em caso de condenação em outro processo, a absolvição.
De modo que a justificativa para a exclusão do benefício não se sustenta, dado que via de regra se estaria punindo aqueles que retornam regularmente e não os que não o fazem.
Ainda que fosse necessário ampliar os mecanismos de fiscalização, é certo que já há meios tecnológicos para tanto, ou seja, a imposição de tornozeleira eletrônica seria suficiente para localizar e, eventualmente, capturar o reeducando.
O fato é que o tema merece debate público complexo e amplo, com análise dos dados reais do sistema penitenciário, melhora na fiscalização e cumprimento da regras mínimas de dignidade humana, para que, com base na razão e em argumentos sólidos, se possa propor soluções que efetivamente sejam necessárias