Luciana Andrea Accorsi Berardi
No Brasil, em virtude de sua estrutura federalista, da separação dos Poderes e do regime presidencialista, as competências foram claramente repartidas e demarcadas pela Constituição Federal.Essa Lei Maior atribuiu, predominantemente, mas não exclusivamente, a função de administrar ao Poder Executivo, a função de julgar ao Poder Judiciário e a função de produzir e aprovar leis ao Poder Legislativo. Dividiu também as atividades governamentais entre as três esferas de nossa Federação, reservando à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios responsabilidades diversas.
Ao Município , em linhas gerais, foram reservados os assuntos predominantemente ligados ao interesse local sendo ,portanto , um ente dotado de autonomia política , desde que observados os preceitos estabelecidos na Constituição Federal e na Constituição do Estado do Estado-membro em que se situa, cuja estrutura administrativa e contornos básicos vem previstos na sua Lei Orgânica .
O Poder Executivo é exercido pelo Prefeito que também exerce a direção geral da administração, tendo esta, em linhas gerais, as seguintes atribuições:nomear e exonerar auxiliares diretos; expedir decretos e regulamentos;prover cargos e funções publicas;praticar atos administrativos referentes a servidores municipais .
O Poder Legislativo , por sua vez é exercido pela Câmara Municipal, cujas funções principais são justamente legislar e fiscalizar a Administração Pública Municipal, a cargo do Poder Executivo
A Câmara Municipal, composta pelos Vereadores, legisla propondo e/ou aprovando projetos relativos ao interesse local e que devem passar por um procedimento específico, o processo legislativo. Assim, o processo legislativo é o conjunto de atos, ordenados na forma estabelecida pela Constituição Federal e de acordo com seus princípios, destinado a produzir normas jurídicas de natureza legislativa, isto é, que tramitam necessariamente pelo Poder Legislativo
O projeto de emenda à Lei Orgânica visa alterar essa lei fundamental na qual se baseia a organização política do Município. Pode ser proposta pelo Prefeito; por no mínimo um terço dos membros da Câmara ou pelos cidadãos, através de iniciativa popular assinada por no mínimo 5% dos eleitores do Município. Só é aprovada após dois turnos de discussão e votação, quando obtiver, em ambos, voto favorável de dois terços dos membros da Câmara. Aprovada , é promulgada no âmbito da própria Câmara.
Os projetos de resoluções e decretos legislativos, de iniciativa exclusiva da Câmara e que só por ela tramitam, destinam-se, as primeiras a disciplinar matéria dirigida ao âmbito interno do Legislativo, os segundos, a regrar matéria privativa do Legislativo, com repercussão no exterior dele. São exemplos, num caso, a aprovação do Regimento Interno da Câmara; em outro, a concessão de títulos honoríficos e honrarias. Os projetos de lei são aqueles voltados para a criação de norma de caráter geral, fruto da colaboração entre o Legislativo e o Executivo.
No caso da iniciativa das leis, a regra geral é elas serem apresentadas, indistintamente, dentro de certas condições, seja pelo Chefe do Executivo, seja por membro ou órgão do Legislativo, ou mesmo pelos cidadãos, através de iniciativa popular.
Ocorre, entretanto, que a Constituição Federal e a Lei Orgânica paulistana estabelecem exceções que restringem significativamente a iniciativa das leis pelo Legislativo. Cite-se, por exemplo, o fato de ser do Poder Executivo a iniciativa de leis que disponham sobre organização administrativa e serviço público.
Todos os projetos são apresentados em plenário, tornados públicos pela leitura e pela publicação no Diário Oficial, sendo então enviados às Comissões Permanentes da Câmara. A Comissão de Constituição e Justiça, a primeira a estudar o projeto, fará o seu controle prévio, manifestando-se através de parecer sobre sua constitucionalidade e legalidade. As outras Comissões, chamadas Comissões de Mérito, opinarão quanto ao conteúdo do projeto, se ele é bom ou não, se merece ou não ser aprovado.
Durante a tramitação nas Comissões poderão ser realizadas audiências públicas, por mandamento legal ou a pedido de entidades e dos cidadãos, para manifestação dos especialistas e interessados sobre os projetos em análise.
Enviados ao Plenário, os projetos serão objeto de um ou dois turnos de votação, de acordo com sua espécie, e submetidos, conforme a matéria, a diferentes tipos de quórum. Em uma ordem crescente de complexidade e de necessidade de maior consenso, os projetos, com base na matéria de que tratam, serão submetidos, para aprovação, a votações que exigem número de votos cada vez maior, indo da maioria simples até a maioria de dois terços dos membros da Câmara, passando, progressivamente, pela maioria absoluta e pela maioria de três quintos.
Aprovados, os projetos de emenda à Lei Orgânica, de resolução e de decreto legislativo serão promulgados e publicados.
Já os projetos de lei, após aprovados são enviados ao Prefeito Municipal, que os sancionará, colocando sua concordância, ou os vetará, explicando os motivos jurídicos e de interesse público que o levaram a negar seu aval ao projeto. Se o projeto de lei for vetado, total ou parcialmente, ele retornará à Câmara, que poderá concordar com o Chefe do Executivo e mandar arquivá-lo, ou derrubar o veto pela votação de maioria absoluta de seus membros.
Acrescente-se que, seja nas Comissões, seja nas discussões em Plenário, poderão ser apresentados, discutidos e aprovados substitutivos ou emendas, ou seja, propostas alternativas ou pontuais, ao projeto original.
A dinâmica do processo legislativo nas Câmaras só é possível, porque em relação ao Poder Legislativo, a Carta Magna consagrou o tradicional CONTROLE PARLAMENTAR , por meio das fiscalizações políco-administrativo e financeiro-orçamentário .
Em suma, as autoridades administrativas devem expressar os valores constitucionais , na sua ponderação relativa e na escala de prioridades que a Constituição garante , em cada medida que tomarem no âmbito das execuções de suas atividades típicas .
Os diferentes poderes do Estado devem , na estrita medida das suas funções, e isso inclui especialmente a representacao municipal, , empreender de modo responsável , a ponderação dos bens constitucionalmente consagrados , num esforço de reivindicação permanente das soluções aprovadas em consenso no momento fundacional, tendo presente que essa ponderação só é possível na unidade interpretativa da Constituição . Porque a legitimidade do mais ínfimo ato do poder municipal resulta de este ser a imagem da Constituição como um todo e, logo, da ponderação de bens que nela se contém no exercicio efetivo e legitimo do PODER LOCAL
A dicotomia,inegavelmente, é um traço marcante do Direito. Nesta seara, dificilmente são encontradas posições e opiniões unânimes e unívocas . Vale aquiescer, sem embargo,que divergências, discussões e pontos de vista diferentes , longe de serem obstáculos e impedimentos, são , na imensa maioria das vezes salutares e bem-vindos para a elucidação de contendas, bem como são relevantes para o progresso das estruturas sociais.
Destarte , como escreve Ives Gandra Silva Martins(1988:103)” O Direito , em verdade,é sempre maior do que a lei. Mais do que pensam os legisladores legislar.Mais do que julgam os tribunais interpretar. Mais do que entendem os doutrinadores visualizar, posto que o Direito é a própria vida de uma sociedade organizada. E esta vida social normada, se não tender para o justo , se não aprender as lições do passado , se não penetrar no coração do povo , se não refletir as tendências mutáveis e permanentes daqueles princípios maiores que dão estabilidade à sociedade, terminara por gerar crises e por se esfacelar perante valores que a superam,visto que há princípios naturais e supraconstitucionais de Direito que determinam a duração dos textos positivos, tornando-os breves, se estes o desconhecerem, ou de longa duração, se forem respeitados.
A controvérsia que exsurge é a de saber o dever de planejar o desenvolvimento nacional, correlato de imposição posta no art. 3º da Constituição Federal , pode e/ou deve ser objeto de contrastação perante os poderes de uma República.
Montesquieu atribuiu a diferentes classes, as diferentes funções estatais, quais sejam as de criar as leis sob as quais deve viver a sociedade, governar com base nestas leis e julgar aqueles que supostamente tenham violado as normas de convivência consubstanciadas nas leis, a fim de puni-los.
E por que atribuir as diferentes funções a diferentes classes sociais? É inegável que a tônica da história universal humana sempre foi – e é – a disputa para satisfação de interesses. As teorias de Marx e Engels sobre a "luta de classes" são uma reconfirmação de uma preocupação muito antiga.
Então, imaginando que cada segmento social eleja seus representantes, e atribua-se a cada um destes, uma parcela do exercício do poder, estariam protegidas as liberdades dos cidadãos, na medida em que os interesses de uma classe não poderiam se sobrepor às demais, também detentoras do poder. Assim, a célebre constatação do "Poder limitando o poder".Então, é no interesse degarantir as liberdades individuais que se limita o uso do poder.
Enfim, estes são alguns dos questionamentos que deverão ser debatidos ao longo dos proximos meses com a proximidade das eleicoes municipais .De certo a problemática ora elencada é restrita e limitada diante da grande desafio que ora se impõe. Contudo, essa discussão tripartite municipal, sempre sob a égide constitucional, certamente colaborara cada vez mais para a consolidacao do Estado Democrático de Direito, permitindo que a representacao legitimamente eleita no exercicio cidadão do Poder Local, consagre a efetivacao do direito e o respeito às escolhas fundadas na diversidade, nas diferencas, na pluralidade generalizada que agasalha toda e qualquer sociedade/ comunidade. Assim desejamos!
LUCIANA ANDREA ACCORSI BERARDI
Doutora e Mestre em Direito do Estado pela PUC/SP - Presidente da Comissão de Direito Constitucional da OAB/SP - Conselheira Seccional da OAB/SP - Professora de Direito Constitucional e Administrativo - Sócia do Murta Berardi Sociedade de Advocacia