TEMPOS SOMBRIOS

Conteúdo do Artigo: 

Autor: Eduardo Luiz Santos Cabette, Delegado de Polícia, Mestre em Direito Social, pós – graduado em Direito Penal e Criminologia, Professor de Direito Penal, Processo Penal, Medicina Legal, Criminologia e Legislação Penal e Processual Penal Especial na graduação e na pós – graduação do Unisal e Membro do Grupo de Pesquisa de Ética e Direitos Fundamentais do Programa de Mestrado do Unisal.

 

Realmente vivemos tempos sombrios, mas as sombras ou trevas não vêm de onde muitos apregoavam. Nada a surpreender, pois o mal é assim mesmo, traiçoeiro, dissimulado e dado a ataques repentinos, surgindo, de inopino, das sombras onde se oculta e trazendo consigo a violência, a violação e as trevas que produz e das quais se alimenta.

A respeito dos inquéritos ilegais em andamento no STF, de seu julgamento ilícito e da mais nova ilicitude do bloqueio das redes sociais de várias pessoas, agora, inclusive no exterior, já comentamos exaustivamente, devendo o leitor interessado buscar os textos já produzidos e divulgados. [1]

A novidade é que o Twitter, embora cumprindo a ordem judicial na sua íntegra, manifestou-se sobre a sua ilegalidade e abusividade, acenando que tomará as medidas judiciais cabíveis para sua contestação. Por seu turno, o Facebook, num primeiro momento, sequer deu cumprimento à ordem de bloqueio das contas no exterior, apenas promovendo o bloqueio no Brasil, considerando extremamente perigoso e abusivo esse precedente, inclusive violador da soberania e do respeito às leis e jurisdições estrangeiras. [2]

Acontece que no que se refere à postura do Facebook, o Ministro Alexandre de Moraes, reagiu e aumentou de forma exacerbada penalidade de multa cominatória diária, o que fez com que a plataforma, sob constrangimento, revisse sua posição e desse cumprimento integral à ordem. [3]

Tudo isso demonstra, mais uma vez, que as críticas sobre essas arbitrariedades em nossa ordem jurídica interna equivalem mesmo a malhar em ferro frio. Da mesma forma os recursos judiciais que se apresentem para serem julgados pelos mesmos atores que praticam tais arbitrariedades. Trata-se de uma armadilha jurídica circular em que todos os brasileiros, inclusive aqueles que, por razões ideológicas, comemoram essa situação, estão enredados como reféns praticamente indefesos. Vivemos um pesadelo kafkiano que se passa numa distopia real, o que comprova que, muitas vezes, a realidade pode ser mais cruel e assustadora do que qualquer ficção.

Tanto Twitter como Facebook alegam que recorrerão ao próprio STF para combater as medidas draconianas enfocadas. Não obstante, nos parece isso um esforço meramente simbólico, sem qualquer chance de reversão, salvo na hipótese de um milagre que, por definição, pode contrariar aquilo que entendemos como a ordem natural das coisas.

Sinceramente, tendo em vista o poderio financeiro e os recursos jurídicos de que dispõem tais plataformas, o caminho mais correto e o único que pode resultar em algum êxito, nos parece ser o recurso a entidades de Direitos Humanos internacionais e, no caso específico dessas plataformas, ainda existe mais uma medida que, talvez, possa ser frutífera. Como Twitter e Facebook são dotados, como já se disse, de grande poder financeiro e estrutura jurídica defensiva, que se espraia por todos os locais em que funcionam, seria mais inteligente ingressar com ações contestatórias da ordem brasileira em cada uma das jurisdições internacionais onde o bloqueio se dá, usando dos diversos setores jurídicos dessas empresas e apontando, naquelas jurisdições, a violação de sua soberania. Isso sim poderia, talvez, promover uma avalanche de reações internacionais pulverizadas que, em seu conjunto, criaria um incidente internacional de enorme proporção, o qual poderia ter o condão de refrear a sanha inquisitória abusiva, arbitrária e megalômana que se instala em terras brasileiras.

Enfim, seja por meios humanos ou no aguardo e um acontecimento transcendente, sempre há esperança de que se reproduza na vida real o episódio que Mozart produz em sua ópera “A Flauta Mágica”, quando o personagem Sarastro, quase no final do espetáculo, diz: “Os raios de sol afugentam a noite, destruindo o poder conivente dos hipócritas”. Talvez ao menos um único raio de luz ainda possa surgir e sabe-se que as trevas se dissipam inexoravelmente se há um único raio de luz. [4]

É preciso acreditar que aquilo que nos ensinavaAuloGélio, em sua obra “As Noites Áticas”, na antiga Roma do Século I, ainda possa ser válido nos dias de hoje, ou seja, que “a verdade é filha do tempo” (“veritastemporis filia”) e não da autoridade ou, pior ainda, do autoritarismo. [5]

 

REFERÊNCIAS

ALEXANDRE aumenta multa para forçar Facebook a bloquear perfis no exterior. Disponível em https://www.conjur.com.br/2020-jul-31/moraes-aumenta-multa-forcar-facebook-bloquear-perfis, acesso em 1º.08.2020.

 

CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Bloqueio cautelar processual penal de redes sociais e desprezo da ampla defesa e contraditório. Disponível em https://www.estudosnacionais.com/27098/bloqueio-cautelar-processual-penal-de-redes-sociais-e-desprezo-da-ampla-defesa-e-contraditorio/, acesso em 1º.08.2020.

 

CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Inquérito Judicial das Fake News: as obviedades que precisam ser explicadas. Disponível em https://www.estudosnacionais.com/25326/inquerito-judicial-das-fake-news-as-obviedades-que-precisam-ser-explicadas/, acesso em 1º.08.2020.

 

CABETTE, Eduardo Luiz Santos. O Julgamento “Fake” News e a continuidade da ilegalidade. Disponível em https://www.estudosnacionais.com/26048/o-julgamento-fake-news-e-a-continuidade-da-ilegalidade/, acesso em 1º.08.2020.

 

FACEBOOK e Twitter vão recorrer da decisão sobre bloqueio de contas de bolsonaristas. Disponível em https://www.atribuna.com.br/noticias/atualidades/facebook-e-twitter-v%C3%A3o-recorrer-de-decis%C3%A3o-sobre-bloqueio-de-contas-de-bolsonaristas-1.111940, acesso em 1º.08.2020. 

 

GÉLIO, Aulo. Noites Áticas. Trad. José Rodrigues Seabra Filho. 2ª. ed. Londrina: Eduel, 2010.

 

INQUÉRITO 4.781 Distrito Federal. Disponível emhttps://www.conjur.com.br/dl/decisao-alexandre-moraes.pdf, acesso em 1º.08.2020. 

 

FACEBOOK recua e bloqueia perfis de bolsonaristas fora do Brasil após ordem do STF. Disponível em https://politicalivre.com.br/2020/08/facebook-recua-e-bloqueia-perfis-de-bolsonaristas-fora-do-brasil-apos-ordem-do-stf/#gsc.tab=0, acesso em 1º.08.2020.

 

MASSIN, Jean, MASSIN, Brigitte. História da Música Ocidental. Ângela Ramalho Viana, Carlos Sussekind e Maria Teresa Resende Costa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997.

 

MOZART, Wolfgang Amadeus. A Flauta Mágica. Disponível em https://pqpbach.sul21.com.br/2019/05/05/wolfgang-amadeus-mozart-1756-1791-die-zauberflote-bohm-fischer-dieskau-wunderlich-berliner-philharmoniker/, acesso em 1º.08.2020.

 

ROSSO, Eucárdio de. AuloGélio: O Desconhecido Autor de As Noites Áticas. Revista Conscientia. n. 19, p. 382 – 388, jul./set., 2015.

 

 TEODORO, Plínio. Facebook se recursa a cumprir decisão do STF e vai manter perfis de bolsonaristas. https://revistaforum.com.br/redes-sociais/facebook-se-recusa-a-cumprir-decisao-do-stf-e-vai-manter-perfis-de-bolsonaristas/, acesso em 1º.08.2020.

 

[1] CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Inquérito Judicial das Fake News: as obviedades que precisam ser explicadas. Disponível em https://www.estudosnacionais.com/25326/inquerito-judicial-das-fake-news-as-obviedades-que-precisam-ser-explicadas/, acesso em 1º.08.2020. IDEM. O Julgamento “Fake” News e a continuidade da ilegalidade. Disponível em https://www.estudosnacionais.com/26048/o-julgamento-fake-news-e-a-continuidade-da-ilegalidade/, acesso em 1º.08.2020. E finalmente: IDEM. Bloqueio cautelar processual penal de redes sociais e desprezo da ampla defesa e contraditório. Disponível em https://www.estudosnacionais.com/27098/bloqueio-cautelar-processual-penal-de-redes-sociais-e-desprezo-da-ampla-defesa-e-contraditorio/, acesso em 1º.08.2020.

[2] FACEBOOK e Twitter vão recorrer da decisão sobre bloqueio de contas de bolsonaristas. Disponível em https://www.atribuna.com.br/noticias/atualidades/facebook-e-twitter-v%C3%A3o-recorrer-de-decis%C3%A3o-sobre-bloqueio-de-contas-de-bolsonaristas-1.111940, acesso em 1º.08.2020.  E ainda: TEODORO, Plínio. Facebook se recursa a cumprir decisão do STF e vai manter perfis de bolsonaristas. https://revistaforum.com.br/redes-sociais/facebook-se-recusa-a-cumprir-decisao-do-stf-e-vai-manter-perfis-de-bolsonaristas/, acesso em 1º.08.2020.

[3]ALEXANDRE aumenta multa para forçar Facebook a bloquear perfis no exterior. Disponível em https://www.conjur.com.br/2020-jul-31/moraes-aumenta-multa-forcar-facebook-bloquear-perfis, acesso em 1º.08.2020. Veja-se a decisão do Ministro Alexandre de Moraes em sua íntegra: INQUÉRITO 4.781 Distrito Federal. Disponível emhttps://www.conjur.com.br/dl/decisao-alexandre-moraes.pdf, acesso em 1º.08.2020. Sobre a revisão forçada da posição do Facebook, vide: FACEBOOK recua e bloqueia perfis de bolsonaristas fora do Brasil após ordem do STF. Disponível em https://politicalivre.com.br/2020/08/facebook-recua-e-bloqueia-perfis-de-bolsonaristas-fora-do-brasil-apos-ordem-do-stf/#gsc.tab=0, acesso em 1º.08.2020.

[4] MOZART, Wolfgang Amadeus. A Flauta Mágica. Disponível em https://pqpbach.sul21.com.br/2019/05/05/wolfgang-amadeus-mozart-1756-1791-die-zauberflote-bohm-fischer-dieskau-wunderlich-berliner-philharmoniker/, acesso em 1º.08.2020.  E ainda: MASSIN, Jean, MASSIN, Brigitte. História da Música Ocidental. Ângela Ramalho Viana, Carlos Sussekind e Maria Teresa Resende Costa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997, p. 580.

[5] ROSSO, Eucárdio de. AuloGélio: O Desconhecido Autor de As Noites Áticas. Revista Conscientia. n. 19, jul./set., 2015, p.  385. A frase citada, de autoria de AuloGélio, em “As Noites Áticas”, Livro XII, item 11, tem sido, equivocadamente atribuída a Galileu Galilei e a Bertolt Brecht. Talvez essas personalidades históricas tenham realmente, em algum momento, se referido a tal citação, mas a frase original pertence ao romano do Século I, até  mesmo por uma questão cronológica.  Para acesso a uma edição completa da obra em destaque: GÉLIO, Aulo. Noites Áticas. Trad. José Rodrigues Seabra Filho. 2ª. ed. Londrina: Eduel, 2010, “passim”.