O agente policial disfarçado na Lei nº 13.964/2019 (Lei do Pacote Anticrime)

Conteúdo do Artigo: 

Algumas reflexões pontuais sobre o novo instituto do agente policial disfarçado, com vistas a relativizar o crime impossível (obra do agente provocador ou flagrante preparado)

 

A Lei Federal nº 13.964/2019 denominada de Lei do Pacote Anticrime entrou em vigor recentemente, embora alguns dispositivos legais estejam suspensos até o momento, por força de decisões monocráticas prolatadas pelo Supremo Tribunal Federal, através dos Ministros Dias Toffoli[1] e Luiz Fux[2], ambos do STF.

Sem embargos de vários pontos criticáveis, a novíssima Lei nº 13.964/2019 (Lei do Pacote Anticrime) trouxe à tona o instituto do agente policial disfarçado, parte esta em plena vigência, que não pode ser confundido com as técnicas de investigação de agente policial infiltrado e agente policial em ação controlada.

Dentre as inovações, o instituto do agente policial disfarçado foi inserido no Estatuto do Desarmamento e na Lei de Drogas, consoante a didática apresentada no quadro abaixo:

Inovação trazida pela lei supra à Lei nº 10.826/2013

Inovação trazida pela lei supra à Lei nº 11.343/2006

“Art. 17. ………………………….

Pena – reclusão, de 6 (seis) a 12 (doze) anos, e multa.

§ 1º ………………………………

§ 2º Incorre na mesma pena quem vende ou entrega arma de fogo, acessório ou munição, sem autorização ou em desacordo com a determinação legal ou regulamentar, a agente policial disfarçado, quando presentes elementos probatórios razoáveis de conduta criminal preexistente.”(NR).

Art. 18. ………………………….

Pena – reclusão, de 8 (oito) a 16 (dezesseis) anos, e multa.

Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem vende ou entrega arma de fogo, acessório ou munição, em operação de importação, sem autorização da autoridade competente, a agente policial disfarçado, quando presentes elementos probatórios razoáveis de conduta criminal preexistente.”(NR)

Art. 33. ………………………….

§ 1º ……………………………… ……………………………………………

IV – vende ou entrega drogas ou matéria prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas, sem autorização ou em desacordo com a determinação legal ou regulamentar, a agente policial disfarçado, quando presentes elementos probatórios razoáveis de conduta criminal preexistente.

 

 

A razão de ser da lei foi de conferir segurança jurídica nas ações policiais ao permitir a técnica do agente policial disfarçado no combate e repressão ao crime de tráfico de arma de fogo e tráfico de drogas que até então, a depender da circunstância tornava nula a prisão em flagrante delito, com relaxamento da prisão. Aliás, em obra escrita em coautoria na Lei Anticrime nos atrevemos a sustentar a incidência desta técnica para outros diversos delitos também, afora do rol enumerado pela novel lei (BARCELOS LIMA; LEITÃO JÚNIOR, 2020).

Com a nova Lei nº 13.964/2019 (Lei do Pacote Anticrime) não existe mais dúvida de que não ocorrerá mais o crime impossível (obra do agente provocador ou de flagrante preparado), quando o policial agir disfarçadamente, para protagonizar a aquisição de armas de fogo ou de drogas entre outras condutas do agente criminoso no tráfico de armas de fogo e tráfico de drogas.

Defende-se estar diante de uma nova norma penal incriminadora autônoma, já que o legislador ordinário seguindo o mandato de criminalização da Constituição Federal (referente ao tráfico de drogas) criminaliza como infração penal a conduta daquele agente criminoso que vende ou entrega drogas, matéria-prima, insumo ou produto químico ao agente policial disfarçado. Na mesma esteira, legislador ordinário passa a criminalizar o agente criminoso que vende ou entrega arma de fogo, acessório ou munição ao agente policial disfarçado. Em ambas as situações, em termos práticos, o legislador passa a propiciar ao mesmo tempo, no campo da intervenção policial (ação policial), a prisão flagrancial do agente criminoso nestas situações sem eivar de nulidade a prisão em flagrante delito, com relaxamento da prisão.

Mas isto não era possível antes? A resposta é não. Não era possível, pois ocorria o crime impossível (obra do agente provocador ou de flagrante preparado), que tornava nula a prisão em flagrante delito, com relaxamento da prisão e outros desdobramentos jurídicos.

Agora, com advento da nova lei, há proteção legal com chancela da ação policial pelo legislador, em vista da prática criminosa realizada pelo autuado.

Houve uma clara preservação da ação policial sob o ponto de vista da legalidade e legitimidade do ato pela Lei nº 13.964/2019 (Lei do Pacote Anticrime), sem o risco de uma possível invalidação da prisão flagrancial e de incriminação da postura policial.

Da importância de se conceituar e definir a figura do agente policial disfarçado

Extrai-se pela leitura atenta da Lei nº 13.964/2019 (Lei do Pacote Anticrime) que, em momento algum a lei conceitua expressamente o instituto do agente policial disfarçado, embora traga o conceito e definição do instituto do agente policial disfarçado de maneira tácita/implícita.

Na obra denominada Lei Anticrime: comentários à Lei 13.964/2019 em coautoria com o delegado de polícia, Bruno Barcelos Lima e outros autores, tivemos a oportunidade de conceituar o instituto em análise como:

“[...] a figura do agente policial disfarçado como um modelo de técnica especial de investigação de atuação policial operacional, empregado em situações singulares, que envolveria uma mera campana policial e uma infiltração policial ou até mesmo uma ação controlada.

Em outra forma de dizer, a novel Lei 13.964/2019, intuitivamente conceitua e define a figura do agente policial disfarçado como o indivíduo que ocultando sua real identidade, se vale ostensivamente como um cidadão comum para coletar elementos probatórios (ou elementos informativos) que ilustrem a conduta delitiva preexistente do sujeito ativo, alvo do agente policial disfarçado.

O agente policial disfarçado, não se infiltra no meio criminoso e nem interfere na ação voluntária e consciente da conduta delitiva do autor dos fatos, alvo do agente policial disfarçado. Entendemos que esta técnica pode se apresentar como uma terceira modalidade de ação encoberta dos agentes estatais” (BARCELOS LIMA; LEITÃO JÚNIOR, 2020, p. 85-86).

 

Em nosso posicionamento, o agente policial disfarçado atua como o indivíduo que oculta sua real identidade, como se fosse um cidadão comum, para coletar elementos probatórios (ou elementos informativos) que apontem a conduta delitiva preexistente do sujeito ativo criminoso, alvo do agente policial disfarçado. Neste prisma, o agente policial disfarçado, não materializa nenhuma infiltração no meio criminoso e nem atua na ação voluntária e consciente da conduta delitiva do agente delitivo, alvo do agente policial disfarçado.

 

A figura do agente policial disfarçado somente pode ser empregada por servidores policiais integrantes das Polícias Judiciárias

Defende-se o ponto de vista, que para o uso da técnica de ação policial, deva ser necessariamente um servidor integrante das Polícias Judiciárias.

O instituto em apreço é ínsito às investigações policiais que são realizadas constitucionalmente pelas Polícias Judiciárias.

Ademais, a habilidade da atuação e monitoramento de situação de maneira disfarçada e descaracterizada de modo a oportunizar um maior feixe de coleta de possíveis provas de infrações penais (ou elementos informativos) e de sua autoria, sem imiscuir e interferir no curso causal da infração penal, é inerente atividade de polícia judiciária, em que os policiais agem sem identificarem, ostensivamente, seja por veículos ou por indumentárias – diferente das atividades de policiamento ostensivo e preventivo.

Dedicará mais adiante um maior aprofundamento ao tema neste ponto.

 

Da definição e interferência do agente provocador

 

O agente provocador interfere e atua ativamente na linha da infração penal, seja com incitação, instigação e preparação no todo ou em parte do ato delitivo, diante do agente criminoso.

Deste modo, o agente provocador (policial) exterioriza ato ilegítimo e ilegal, diante da atuação.

Diferente disto, o agente policial disfarçado e o agente infiltrado não atuam como agentes provocadores, vez que as ações do agente policial disfarçado e do agente infiltrado são passivas e não ativas como do agente provocador.

Da exigência normativa quanto a necessidade da presença de elementos probatórios (ou elementos informativos) suficientes para ilustrar possível conduta criminal preexistente, sob investigação ou suspeita

A Lei nº 13.964/2019 (Lei do Pacote Anticrime) exige como requisito para a técnica de agente policial disfarçado, qual seja, a demonstração de provas, em grau suficiente, a indicar a possível conduta criminal antes (por isto: preexistente) de o alvo criminoso realizar efetivamente uma conduta criminosa.

Merece crítica respeitosa a técnica redacional adotada pelo legislador pátrio, já que ao corporificar a redação “quando presentes elementos probatórios razoáveis de conduta criminal preexistente”, deu margens para questionamentos, porquanto em sede de investigações policiais o que se tem na maioria das vezes academicamente falando são somente elementos informativos e não provas na concepção jurídica técnica.

Posto isto, partimos da premissa de que o legislador quis na verdade foi abranger provas e elementos informativos razoáveis de conduta criminal preexistente, sob pena de tornar letra morta, estes inéditos dispositivos legais nesses pontos da novel lei. Porém, disto surge outra problemática: em matéria de direito penal com lei incriminadora  poderia haver um alargamento (ampliação/extensão) desta interpretação? Em nosso ponto de vista, inclinaríamos a dizer que não, embora sobre este ponto centralizarão infindáveis discussões doutrinárias e jurisprudenciais.

Os elementos probatórios (ou elementos informativos) razoáveis a respeito da conduta criminosa preexistente permitem a caracterização do crime sem que se cogite em flagrante preparado, agente provocador ou crime impossível, assegurando que a conduta delitiva foi perpetrada de forma voluntária, livre e consciente pelo agente criminoso.

Registramos que são estas provas (ou elementos informativos) que alicerçam que a participação do agente disfarçado foi neutra e que não teve interferência na linha causal da infração penal.

A título de exemplo, valhamos-nos do mesmo citado na obra intitulada Lei Anticrime: comentários à Lei 13.964/2019:

 

“Citamos para fins didáticos, um exemplo de materialização desta técnica do agente policial disfarçado, com objetivo de facilitar à compreensão. Assim, suponhamos que um policial que anonimamente (com emprego do agente policial disfarçado) procura adquirir drogas de um traficante ou armas de um intermediário, já existindo um levantamento investigativo[3] prévio, em que se aponta que determinado indivíduo exerce função de vendedor de drogas – em parcas quantidades para dificultar sua autuação no tráfico de drogas – ou vende armas, e venha o agente a realizar com aquele ou com este uma negociação efetiva pela droga ou armas. Neste exemplo, o agente policial disfarçado deverá no momento da venda ou da entrega da droga ou da venda ou da entrega da arma de fogo efetivar a prisão em flagrante do traficante, já que a infração penal, neste instante, restara configurada diante da realização dos elementos específicos do tipo, mesmo que o agente delitivo mantenha consigo a mesma quantidade de drogas comercializadas ou de armas.

Em termos práticos e teóricos, no exemplo citado, se não existisse esta nova figura delitiva examinada, com o emprego da técnica do agente disfarçado, não seria possível a prisão em flagrante delito do traficante e nem do intermediário de armas de fogo pelos demais núcleos verbais, porquanto a ação volitiva (vontade/voluntariedade) destes núcleos restariam descaracterizados, acerca da posse (porte) da droga envolvida na comercialização e até mesmo das armas de fogo” (BARCELOS LIMA; LEITÃO JÚNIOR, 2020, p. 93-94).

 

 

Análise da (im)possibilidade da técnica do agente policial disfarçado em outras infrações penais diversas - além das contempladas pela Lei nº 13.964/2019 (Lei do Pacote Anticrime)

A provocação que lançamos é sobre a possibilidade de empregar a técnica do agente policial disfarçado para investigação em outros crimes (afora os delitos de armas e de drogas). Isto seria possível?

O debate na doutrina e na jurisprudência sobre ser possível ou não a adoção da técnica de agente disfarçado para que se investiguem e monitorem outros crimes como associação criminosa, organização criminosa, lavagem de dinheiro, corrupção, dentre outros é inevitável.

Sob o ponto de vista particular nosso, entende-se que é perfeitamente possível a técnica de agente disfarçado para que se investiguem outros crimes diversos dos contemplados inicialmente pela Lei nº 13.964/2019 (Lei do Pacote Anticrime).

Em nossa obra abordamos todos os fundamentos jurídicos a dar sustentação a este ponto de vista para onde remetemos o leitor para maior aprofundamento (BARCELOS LIMA; LEITÃO JÚNIOR, 2020).

De qualquer sorte, por todos os fundamentos lá lançados, entendemos ser aplicável aqui o raciocínio para se permitir a adoção da técnica de agente policial disfarçado, com o fim precípuo de que se investiguem e monitorem crimes diversos dos listados, como organização criminosa, lavagem de dinheiro, associação criminosa, corrupção dentre outros.

Da (im)possibilidade do emprego da técnica do agente policial disfarçado na internet e demais meios similares: a figura do “agente policial disfarçado virtual” ou do “agente policial disfarçado por extensão”

A técnica do agente policial disfarçado exige um “diálogo” e “interação” do agente policial disfarçado e o agente criminoso em tempo real, pelo menos em regra, para fins de configurar eventualmente os novos tipos penais autônomos da Lei nº 13.964/2019 (Lei do Pacote Anticrime).

Nesse enfoque, é possível cogitar a adoção da técnica de agente policial disfarçado para que se investiguem e monitorem através da rede mundial de computadores ou outros meios similares tecnológicos?

Parte-se do pressuposto de que não se pode peremptoriamente apartar-se desta possibilidade, principalmente quando se visualiza que os avanços tecnológicos devem andar de “mão dadas” com os meios investigativos, diante do princípio constitucional da eficiência, do interesse público do Estado-investigação e do princípio da vedação de proteção deficiente.

O raciocínio é simples: se a legislação pátria permite o instituto do agente policial disfarçado (agente policial disfarçado presente ou por presença física ou real) por meio de presença física/real (que é um “plus”, ou seja, “o mais”) para se permear próximo ou nos limites fronteiriços da prática delitiva, com maior razão não existiria vedação para o instituto do agente policial disfarçado virtual (que é o “minus”, ou seja, “um menos”) para se aproximar ou permear nos limites fronteiriços da prática delitiva, onde a integridade física e psíquica do agente policial estaria com redução drástica de riscos conferindo mais segurança de atuação e até mesmo da sua verdadeira identidade, para se evitar possíveis represálias e retaliações “a posteriori” por parte da criminalidade, mormente a criminalidade organizada.

Com isto, em nosso pensar é possível às figuras do agente policial disfarçado virtual/remoto/ficto/presumido ou do agente policial disfarçado por extensão.

Registra-se que não existe diferença paradoxal entre a presença real/ presença física/ presença efetiva do agente policial disfarçado com a presença remota/ presença virtual/ presença presumida do agente policial disfarçado, mormente quando a tecnologia propicia uma conversação e interação em tempo real para se ter uma verdadeira “presença”, ainda que a distância por meio virtual, permitindo eventual elucidação das condutas apuradas, para fins de configurar os novos tipos penais autônomos, com as ressalvas adiante.

Aliás, meios que propiciem a presença remota/virtual/presumida [entre outros vocábulos correlatos] como a presença por telefone tradicional/convencional, telefone móvel (celular), aplicativos de WhatsApp, Telegram, Kik, Skype, SnapChat, Facebook Messenger, GoSMS Pro, Im+, WeChat, BBM, Viber, e-mails, redes sociais, videoconferência, entre outros dispositivos tecnológicos análogos (que autorizem conversação e outras interações em tempo real), permitem esta incursão do agente policial disfarçado sem distinções substanciais da presença real/ física/efetiva do agente policial junto do agente criminoso, porque os recursos tecnológicos (que permitem conversação em tempo real) propiciariam uma verdadeira presença real, ainda que a distância (em posição remota), permitindo eventual descortinamento das condutas apuradas.

Por tudo isto, defende-se a ideia da possibilidade do uso da técnica de agente policial disfarçado para que se investiguem e monitorem através da rede mundial de computadores ou outros meios, se valendo das figuras do agente policial disfarçado virtual ou do agente policial disfarçado por extensão, que diferencia da figura da infiltração virtual.

 

Afinal, quais as polícias podem adotar a técnica do agente policial disfarçado?

Como já dito em linhas passadas, entende-se que apenas aos servidores policiais integrantes das polícias judiciárias (Polícia Federal e Polícias Civis) é dada a técnica de agente policial disfarçado, polícias estas constitucionalmente com o múnus de proceder às investigações criminais, que visem apurar a autoria e materialidade delitiva.

Certamente, posições jurídicas surgirão defendendo à adoção da técnica em estudo para todas as polícias de maneira irrestrita, com argumentos utilitaristas e em conflito com o ordenamento pátrio, em oposição ao ponto de vista de que apenas integrantes das polícias judiciárias poderiam adotar a técnica de agente policial disfarçado.

Sob esta possível invocação indevida da técnica se estender a todas as polícias, alerta-se que qualquer atividade de interpretação jurídica apenas se legitima, se em conformidade com a Constituição Federal. Não se pode confundir uma leitura com filtragem constitucional, em vista de uma leitura com interpretação e argumentos utilitaristas/eficientista.

As inovações sobre a figura o agente policial disfarçado, apenas pelo aspecto redacional, deixam clarividente que esta técnica dedicaria e estaria reservada apenas aos servidores policiais integrantes das polícias judiciárias (Polícia Federal e Polícias Civis). Vejamos:

Inovação trazida pela lei supra à Lei 10.826/2013

Inovação trazida pela lei supra à Lei 11.343/2006

“Art. 17. ………………………….

Pena – reclusão, de 6 (seis) a 12 (doze) anos, e multa.

§ 1º ………………………………

§ 2º Incorre na mesma pena quem vende ou entrega arma de fogo, acessório ou munição, sem autorização ou em desacordo com a determinação legal ou regulamentar, a agente policial disfarçado, quando presentes elementos probatórios razoáveis de conduta criminal preexistente.”(NR).

Art. 18. ………………………….

Pena – reclusão, de 8 (oito) a 16 (dezesseis) anos, e multa.

Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem vende ou entrega arma de fogo, acessório ou munição, em operação de importação, sem autorização da autoridade competente, a agente policial disfarçado, quando presentes elementos probatórios razoáveis de conduta criminal preexistente.”(NR)

Art. 33. ………………………….

§ 1º ……………………………… ……………………………………………

IV – vende ou entrega drogas ou matéria prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas, sem autorização ou em desacordo com a determinação legal ou regulamentar, a agente policial disfarçado, quando presentes elementos probatórios razoáveis de conduta criminal preexistente.

 

 

Em ambas as redações em cotejo, o legislador ordinário usa da seguinte expressão “[...]a agente policial disfarçado, quando presentes elementos probatórios razoáveis de conduta criminal preexistente.

A máxima jurídica de que não existem palavras inúteis no texto da lei se aplica aqui, pois na redação contidas nos dispositivos acima “presentes elementos probatórios razoáveis de conduta criminal preexistente”, resta claro que se almejou a incidir este instituto tão somente às polícias judiciárias, já que a expressão analisada pressupõe no mínimo, a existência de investigação em curso ainda que na fase preliminar, a fim de ilustrar os elementos probatórios razoáveis de conduta criminal preexistente, recordando que a investigação criminal competiria apenas às Polícias Judiciárias pelo texto da Constituição Federal de 1988.

Por isso, em nosso pensar, os integrantes das polícias militares[4][5], integrantes da polícia rodoviária federal, os GAECOS com seus integrantes (ressalvados os agentes das Polícias Judiciárias, eventualmente lotados neste grupo), integrantes da polícia ferroviária federal, integrantes da “ABIN”, integrantes das polícias penais (federal, estaduais e distrital), integrantes da polícia legislativa do Senado, integrantes da polícia legislativa da Câmara entre outras forças policiais estariam impedidos de adotarem esta técnica de agente policial disfarçado, sob pena de usurpação da atividade de investigação com desvio de finalidade.

 

Omissão do legislador pátrio em definir o prazo legal (ausência de prazo) de duração do instituto do agente policial disfarçado

A Lei nº 13.964/2019 (Lei do Pacote Anticrime) não fixou prazo de duração para o emprego do instituto de agente policial disfarçado, e isto não implica em concluir que a medida seja 'ad aeternum'.

O requisito legal para o emprego do instituto de agente policial disfarçado é de preexistência de provas e a presença dos crimes listados (além do entendimento defendido de se estender para outras infrações penais).

Uma observação se faz necessária, já que muito embora a conveniência e oportunidade orientem, em regra, à atuação policial, mais uma vez vale a advertência de que preenchido os requisitos legais, a nosso ver, a intervenção policial seria obrigatória, sob pena de prevaricação e outras sanções.

 

Omissão do legislador em não disciplinar à previsão de procedimento para documentar o instituto e da ausência de formalidade expressa a ser observada sob a ótica da Lei nº 13.964/2019 (Lei do Pacote Anticrime)

Sem dúvidas o legislador pátrio deixou passar uma oportunidade ímpar de disciplinar sobre possível procedimento e as formalidades a serem adotadas pela técnica especial do uso do agente policial disfarçado antes e depois do emprego da técnica, até para fins de controle e de verificação da legalidade quanto ao preenchimento dos requisitos legais para a implementação da técnica.

Outras inquietações surgirão também: como ao final do emprego da técnica do agente policial disfarçado exitosa, para onde destinar o procedimento de documentação – partindo da premissa da sua necessidade? Deve ser arquivado na Delegacia de Polícia responsável pela técnica ou encaminhado ao Ministério Público, ao Poder Judiciário e até mesmo Corregedoria-Geral de Polícia para fins de aferir o controle de legalidade? O procedimento poderia ser juntado ao bojo ou encaminhado em apenso junto do procedimento policial matriz (inquérito policial)? Na ausência de um regramento, adotaria-se a analogia de algum procedimento? Se positivo, qual?

Noutro prumo, como proceder caso a técnica do agente policial disfarçado seja inexitosa e frustrada? Haveria desdobramentos?

O procedimento correria sob sigilo ou não? Qual o limite de acesso pelo advogado? Haveria incidência da Súmula Vinculante nº 14 do STF?

Para nós, todas estas provocações deverão ser debruçadas pela doutrina e jurisprudência, a fim de solapar dúvidas e trazer luzes.

Das considerações derradeiras

Conclui-se que, a nova figura do agente policial disfarçado prevista na Lei Federal nº 13.964/2019 (Lei do Pacote Anticrime) relativizou o crime impossível (obra do agente provocador ou flagrante preparado), chancelando a atuação estatal policial, sob o prisma da legalidade.

Ademais, a nova figura do agente policial disfarçado será importante para o enfrentamento nos crimes de tráfico de armas e drogas, técnica esta que poderá ser aplicada para investigações e monitoramento de outras infrações penais, apenas e tão somente por servidores policiais integrantes das Polícias Judiciárias (Polícia Federal e Polícia Civil), inclusive se valendo da figura do agente policial disfarçado através da internet e demais meios similares.

Referências bibliográficas:

 

 

SOUZA, Renee do Ó; CUNHA, Rogério Sanches; LINS, Caroline de Assis e Silva Holmes. A nova figura do agente disfarçado prevista na Lei 13.964/2019. Publicado no dia 27 de dezembro de 2019 no Meusitejurídico.com. Disponível em:<<

 https://meusitejuridico.editorajuspodivm.com.br/2019/12/27/nova-figura-agente-disfarcado-prevista-na-lei-13-9642019/>>. Acesso em 08 de janeiro de 2020.

 

LEITÃO JÚNIOR, Joaquim. A infiltração policial na internet na repressão de crimes contra a dignidade sexual de criança e adolescente e a possibilidade de se estender o instituto da infiltração virtual a outras investigações de crimes diversosRevista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22n. 506312 maio 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/57640. Acesso em: 9 jan. 2020.

 

LEITÃO JÚNIOR, Joaquim. LIMA, Bruno Barcelos. Coordenador: Renne do Ó Souza. Lei Anticrime: comentários à Lei 13.964/2019. Editora D’ Plácido, 2020.

 

[1] A decisão liminar foi proferida no bojo das Ações Diretas de Inconstitucionalidade ajuizadas pela Associação dos Magistrados Brasileiros e pela Associação dos Juízes Federais do Brasil (ADI 6298), pelos partidos Podemos e Cidadania (ADI 6299) e pelo Partido Social Liberal (ADI 6300). Disponível em:<< http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=434788>>. Acesso em 25 de fevereiro de 2020.

[2] O ministro Luiz Fux, vice-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu por tempo indeterminado a eficácia de parte das regras do Pacote Anticrime (Lei 13.964/2019) que instituem a figura do juiz das garantias. A decisão cautelar foi proferida nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 6298, 6299, 6300 e 6305, onde será submetida a referendo do Plenário. O ministro Fux, que assumiu o plantão judiciário no STF no domingo (19) deste ano de 2020 será o relator das quatro ações.

[3] Elementos probatórios (elementos informativos) razoáveis a respeito da conduta criminosa preexistente.

[4] Com ressalva nas infrações penais militares que confiram à Polícia Militar a missão de investigar pela nova Lei Federal nº 13.491/17, onde a Polícia Militar poderia empregar a técnica para investigar, eventualmente, seus militares envolvidos em infrações penais militares. Como já defendido, os policiais militares do serviço reservado, de inteligência ou os vulgarmente denominados de “p2” (P2) somente poderiam utilizar a técnica de agente policial disfarçado em situações a envolver militares em infrações penais militares, com exceção de eventual conexão ou continência que poderiam legitimar num primeiro momento as suas atuações também. Portanto, os policiais militares do serviço reservado, de inteligência ou os vulgarmente denominados de “p2” (P2) não poderiam agir em desvio de função e usar desta técnica em crimes comuns.

[5] Embora não seja o centro das discussões, como comentários de passagem, devemos advertir que  recentemente no informativo nº 932 do STF, a Corte entendeu ser ilegal a infiltração virtual realizada por policial militar da área de inteligência, sem observância da Lei Federal nº 18.850/2013. Além deste argumento do STF, entendemos também que deve observar o art. 190-A, do Estatuto da Criança e do Adolescente. Vejamos o julgado:

“Segunda Turma

DIREITO PROCESSUAL PENAL – PROVAS

Infiltração policial sem autorização judicial e ilicitude de provas

A Segunda Turma concedeu parcialmente habeas corpus impetrado contra acórdão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), para declarar a ilicitude e determinar o desentranhamento da infiltração realizada por policial militar e dos depoimentos por ele prestados em sede policial e em juízo, nos termos do art. 157, § 3º, do Código de Processo Penal (CPP) (1), sem prejuízo da prolação de uma nova sentença baseada em provas legalmente colhidas.

 

Na espécie, a paciente foi denunciada e presa preventivamente pela suposta prática do delito de associação criminosa, previsto no art. 288, parágrafo único, do Código Penal (CP) (2). Ela teria se associado a outros indivíduos, de forma estável e permanente, para planejar ações criminosas e recrutar simpatizantes pelas redes sociais e outros canais, que resultaram em atos de vandalismo durante manifestações ocorridas no período da Copa do Mundo de 2014, na cidade do Rio de Janeiro.

 

A Turma entendeu que o policial militar em questão atuou como agente infiltrado sem autorização judicial e, por isso, de forma ilegal. Explicou que a distinção entre agente infiltrado e agente de inteligência se dá em razão da finalidade e amplitude de investigação. O agente de inteligência tem uma função preventiva e genérica e busca informações de fatos sociais relevantes ao governo; o agente infiltrado age com finalidades repressivas e investigativas em busca da obtenção de elementos probatórios relacionados a fatos supostamente criminosos e organizações criminosas específicas.

 

Segundo o colegiado, o referido agente foi designado para coletar dados para subsidiar a Força Nacional de Segurança em atuação estratégica diante dos movimentos sociais e dos protestos ocorridos no Brasil em 2014. Ele não precisava de autorização judicial para, nas ruas, colher dados destinados a orientar o plano de segurança para a Copa do Mundo. Entretanto, no curso de sua atividade originária, apesar de não ter sido designado para investigar a paciente nem os demais envolvidos, acabou realizando verdadeira e genuína infiltração no grupo do qual ela supostamente fazia parte e ali obteve dados que embasaram sua condenação. É evidente a clandestinidade da prova produzida, porquanto o policial, sem autorização judicial, ultrapassou os limites da sua atribuição e agiu como incontestável agente infiltrado. A ilegalidade, portanto, não reside na designação para o militar atuar na coleta de dados genéricos nas ruas do Rio de Janeiro, mas em sua infiltração, com a participação em grupo de mensagens criado pelos investigados e em reuniões do grupo em bares, a fim de realizar investigação criminal específica e subsidiar a condenação. Suas declarações podem servir para orientação de estratégias de inteligência, mas não como elementos probatórios em uma persecução penal.

 

A Turma também reconheceu a aplicabilidade, no caso concreto, das previsões da Lei 12.850/2013 (3), que define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal a ser aplicado. Ainda que se sustente que os mecanismos excepcionais previstos nesse diploma legal incidem somente nas persecuções de delitos relacionados a organizações criminosas nos termos nela definidos, os procedimentos probatórios ali regulados devem ser respeitados, por analogia, em casos de omissão legislativa. No ponto, o colegiado asseverou que o policial militar começou a atuar como agente infiltrado quando o referido diploma legal já estava em vigor.

 

Ademais, considerou que o pedido requerido no writ apresenta uma impugnação específica, a partir dos debates ocorridos nas instâncias inferiores e dos elementos probatórios aportados nos autos e reconhecidos pelos juízos ordinários. Portanto, caracteriza-se cognição compatível com a via estreita do habeas corpus. Ainda que a análise em habeas corpus tenha cognição limitada, se, a partir dos elementos já produzidos e juntados aos autos, for evidente a incongruência ou a inconsistência da motivação judicial, devem ser resguardados os direitos violados com a concessão da ordem.

 

(1) CPP/1941: “Art. 157.  São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais. (…) § 3º Preclusa a decisão de desentranhamento da prova declarada inadmissível, esta será inutilizada por decisão judicial, facultado às partes acompanhar o incidente.”

(2) CP/1940: “Art. 288. Associarem-se 3 (três) ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes:”

(3) Lei 12.850/2013: “Art. 10. A infiltração de agentes de polícia em tarefas de investigação, representada pelo delegado de polícia ou requerida pelo Ministério Público, após manifestação técnica do delegado de polícia quando solicitada no curso de inquérito policial, será precedida de circunstanciada, motivada e sigilosa autorização judicial, que estabelecerá seus limites. Art. 11. O requerimento do Ministério Público ou a representação do delegado de polícia para a infiltração de agentes conterão a demonstração da necessidade da medida, o alcance das tarefas dos agentes e, quando possível, os nomes ou apelidos das pessoas investigadas e o local da infiltração.”