Fabiana da Silva Figueiró
O novo Governo Federal tem demonstrado uma postura bastante disruptiva no que diz respeito à política ambiental tradicionalmente conduzida no país. Especialmente desde os anos oitenta, quando passou a incrementar a legislação protetiva dos recursos naturais, concentrando o planejamento e a tutela no âmbito dos órgãos de meio ambiente.
Diante da riqueza da biodiversidade brasileira, não se contesta a relevância das normas de proteção e a necessidade de órgãos ambientais fortes e estruturados. No entanto, na ânsia de criar mecanismos eficazes de preservação ao longo dos anos, em boa medida, a estrutura ambiental brasileira se tornou mais ideológica do que técnica. Nesse contexto, é salutar que o modelo de proteção se reconcilie a variáveis como desenvolvimento nacional, e dialogue com outras políticas públicas como habitação e infraestrutura, superando o distanciamento crescente havido nas últimas décadas.
A série de recentes alterações na organização dos órgãos ambientais do Poder Executivo revelam que o modelo não seguirá o racional dos anos anteriores, sendo desafiadora a necessidade de encontrar um ponto de equilíbrio para que a pasta não se esvazie (o que seria nefasto), e possa atuar com independência técnica nos assuntos que lhe são atinentes. Obviamente existem medidas anunciadas, ou já implementadas, passíveis de críticas, mas dentre elas não estão as alterações nas estruturas responsáveis pelas questões hídricas, traduzidas na saída de órgãos de importância da estrutura do Ministério do Meio Ambiente, que passaram a integrar o recém criado Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR).
É no guarda-chuva desse novo Ministério que estarão o Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH) e a Agência Nacional de Águas (ANA), por exemplo. Ao CNRH cabe as articulações político institucionais entre usuários da água, poder público e sociedade civil. No Conselho ocorrem decisões de relevo, como a definição dos critérios gerais para a outorga de direitos de uso de recursos hídricos e para a cobrança por seu uso, fatores essenciais para atividades como indústria, energia e irrigação. Já a ANA é responsável pela regulação do acesso e uso aos recursos hídricos de domínio da União, como os rios que percorrem mais de um Estado, ou que fazem fronteira com outros países. A Agência outorga os direitos de uso da água e desenvolve inúmeras atividades técnicas estratégicas de planejamento e monitoramento da situação das águas no país.
Em uma primeira análise, se pensarmos somente no aspecto da água como um bem ambiental, a mudança pode causar estranheza e, como quase tudo que envolve meio ambiente, ser objeto de posicionamentos contrários e temores quanto a retrocessos na sua tutela. No entanto, ao falarmos de recursos hídricos, é ainda mais essencial considerarmos a variável social e econômica, transcendendo o aspecto puramente protetivo. A água é, por definição legal expressa, um recurso natural limitado, de domínio público e dotado de valor econômico. Além disso, dentre os fundamentos jurídicos de sua gestão está proporcionar o seu uso múltiplo, tendo como prioridade o consumo humano, mas abarcando atividades econômicas como indústria, agricultura, transporte e geração de energia. Ainda, a estrutura da política trazida pela legislação estabelece ações descentralizadas, regionalizadas, com a participação da comunidade, além do poder público, o que pode ser melhor efetivado na nova estrutura.
Nesse viés, se avaliarmos as demais atribuições do Ministério do Desenvolvimento Regional, a decisão de alteração no centro de decisão da política hídrica é bastante interessante e está alinhada com os aspectos legais acima. Afinal, esse novo ministério cuidará de programas como Minha Casa Minha Vida e o Água para Todos, da integração do Rio São Francisco, da Política Nacional de Irrigação e executará um Plano Nacional de Segurança Hídrica. Ora, faz todo o sentido que órgãos como a ANA e o CNRH estejam, então, dentro da estrutura do DRE, permitindo um maior diálogo com as linhas de ação responsáveis pelos programas habitacionais e de irrigação, por exemplo. A nova estruturação tende a oxigenar a gestão hídrica e permitir que o inegável viés econômico deste bem ambiental seja trazido para o centro do planejamento.
A guinada é positiva e a realidade brasileira não torna difícil perceber que o caminho até então traçado para a política hídrica precisava ser, de alguma forma, repensado. Isso porque, apesar de sermos uma nação repleta de rios e lagos, além de possuirmos 12% da água doce do planeta, nosso saneamento básico guarda características do Brasil Colônia, com mais de 35 milhões de cidadãos sem acesso à água tratada para consumo e com cerca de 100 milhões de brasileiros sem esgotamento sanitário, segundo dados do Instituto Trata Brasil. Isso sem falar de episódios alarmantes dentre os quais se pode citar, apenas como exemplo, a recente crise hídrica vivida pela população de São Paulo, coração econômico do país, possivelmente decorrente de eventos climáticos e de questões de infraestrutura e planejamento.
A mudança estrutural é importante, mas não será suficiente. Ao colocar a máquina para operar, será preciso implementar ações concretas que signifiquem mudança de paradigmas. Dentre os desafios do novo governo está o desenvolvimento de ações capazes de garantir água em qualidade e quantidade para todos, com modelos que evitem desperdícios no consumo urbano, industrial e agrícola. Nesse viés, não bastam apenas ações de comando e controle ou a realização de vultuosas obras. Essas medidas precisarão caminhar ao lado do incremento na educação para o consumo, no fortalecimento das ferramentas de gestão já existentes, na ampliação dos estudos quanto a riscos climáticos e, também, no efetivo diálogo com os atores usuários. Para isso, além de vontade política e empenho técnico será preciso, sem dúvida, a injeção de recursos econômicos. Quanto à necessária tutela da água enquanto bem ambiental essencial à sadia qualidade de vida, essa estará devidamente resguardada tanto pelos sólidos órgãos de controle e participação quanto pela consolidada legislação que trata do assunto, não devendo se perder com as mudanças estruturais na configuração dos ministérios. Pelo contrário: tende a sair fortalecida a partir de um olhar transversal e de investimentos regionalizados.