ALGUMAS QUESTÕES ACERCA DO INVENTÁRIO NEGATIVO DE BENS NO DIREITO BRASILEIRO

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JÚLIO CÉSAR BALLERINI SILVA

MAGISTRADO E PROFESSOR DE CURSOS DE GRADUAÇÂO E PÓS-GRADUAÇÃO (UNISAL, ESAMC, PROORDEM, PITÁGORAS E UNIFEOB)

MESTRE EM PROCESSO CIVIL PELA PUC CAMPINAS- ESPECIALISTA EM DIREITO PRIVADO PELA USP – AUTOR DE LIVROS E ARTIGOS JURÌDICOS

Como cediço o direito brasileiro se revela avesso à idéia de um patrimônio (entendido pela generalidade dos autores, a partir de postulados ponteanos, como um conjunto de posições jurídicas ativas e passivas, suscetíveis de avaliação econômica e conseqüente expressão monetária) sem um titular determinado, o que em se tratando de pessoas existentes (naturais ou jurídicas) se resolve em termos de tradição e transcrição, enquanto meios de aquisição da propriedade inter vivos.

Mas desde há muitos, se encontra superada a idéia dos romanos que, com sua singular pragmaticidade, asseveravam no sentido de que mors omnia solvit, ou seja, em tradução literal, uma idéia de que a morte tudo resolve, de sorte tal que, ao menos hipoteticamente, com o falecimento do de cujus sucessiones agitur, os problemas estariam acabados, tudo estaria resolvido (não obstante os romanos acolhessem a idéia de morte numa acepção mais ampla que a do direito atual – aceitava-se, por exemplo, o conceito de morte civil[1]).

Isso porque no direito romano bastaria que se morresse com um herdeiro homem que seria responsável pelo culto dos antepassados (deuses lares – vindo daí a expressão “lar” para significar o local do fogo sagrado dentro de uma casa – simbolizando os parentes mortos), para que se impedisse que os mortos de dada estirpe familiar passassem por necessidades no mundo espiritual, com libações anuais nas sepulturas desses entes queridos falecidos (acreditava-se que a vida seguia no túmulo, geralmente localizado nas casas ou lares)[2].

Aí, diga-se en passant, pode-se perceber a gênese dos rituais que empregamos atualmente no dia dos mortos, quando são levadas flores aos jazigos dos entes queridos falecidos.

E, da mesma forma, verifica-se a gênese da proteção ao imóvel de família (no direito romano a propriedade tinha esse caráter sagrado e não era alienada nem para o pagamento de dívidas do pater famílias que seria vendido como escravo se dívida não fosse paga, para que os demais membros da família conservassem o local sagrado)[3].

No entanto, como sabido, as coisas nem sempre se dão desse modo eis que, com a morte do individuo, um sem número de problemas pode ser destacado, tendo o legislador criado tantas situações polêmicas (basta ver, por exemplo, discussões acerca da concorrência, ou não do cônjuge com descendentes nos vários regimes matrimoniais ou as dificuldades da sucessão do companheiro com filiação híbrida) que hoje não se tem como incomum encontrar-se autores que defendem a necessidade de um verdadeiro planejamento sucessório prévio enquanto conjunto de medidas para preservação patrimonial e da autonomia da vontade[4].

Poder-se-ia ter a falsa idéia de que estes problemas surgiriam apenas quando houvesse um patrimônio a ser herdado, ou seja, enquanto o referido conjunto de posições jurídicas do falecido titular tivesse que ser passado a algum herdeiro ou conjunto de herdeiros, ou mesmo legatários.

Assim sempre se pensa no inventário positivo de bens necessário à liquidação patrimonial do extinto para que se afira o quanto cada herdeiro receberia (como ainda se aplica no direito pátrio o princípio da saisine com a própria abertura de sucessão o patrimônio já passaria ao domínio – não mais posse como estabelecia o CC/1916 - dos herdeiros – nesse sentido a disposição contida no artigo 1784 do Código Civil vigente).

Realmente, pode ser que o extinto não estivesse na posse direta dos bens no momento do falecimento, impedindo a imediata transmissão da posse aos herdeiros por força deste princípio de saisine.[5]

Por força desta saisine, com essa idéia de transmissão automática do domínio, seria de se questionar a respeito da efetiva necessidade de um processo de inventário de bens, eis que, num primeiro momento, sob a perspectiva da lógica, parece não haver necessidade de um procedimento judicial que se destine a garantir essa transmissão.

E, de fato, essa não seria a justificativa para a ação de inventário de bens. Nesse sentido, a clássica definição de De Plácido e Silva:

 

“derivado do latim inventarium, de invenire (agenciar, diligenciar, promover), em sentido amplo, quer significar o processo, ou série de atos praticados com o objetivo de ser apurada a situação econômica de uma pessoa ou de uma instituição, pelo relacionamento de todos os seus bens e direitos, ao lado de um rol de todas as suas obrigações e encargos ...”[6].

 

De modo mais sucinto, aponta Roberto Senise Lisboa no sentido de que “inventário é o procedimento por meio do qual são oficialmente relacionados os bens encontrados em nome do de cujus.[7] Observa-se nesse tipo de definição uma correlação necessária entre inventário e bens do extinto.

Por essa perspectiva, antes de se falar em transmissão propriamente dita, pela referida incidência da saisine, sob o prisma lógico, mister se faz aferir se existe algo a ser transmitido e em que medida (será a oportunidade, por exemplo, de se separar eventual meação que é direito de terceiro e não se confunde com herança – artigo 1023 CPC). E esta será, justamente, a justificativa existencial da ação de inventário.

E não se esqueça de que, muitas vezes, no inventário serão disciplinados direitos de natureza indisponível, como se dá em relação aos bens dos incapazes, havendo relevância na previsão de um procedimento especial judicial para regular tais verificações, além da existência de questões fiscais a serem resolvidas.[8]

Mas nada impede, no entanto, que essas questões fiscais sejam resolvidas em procedimentos não judiciais, como se autoriza no inventário extrajudicial, disciplinado pelo advento da Lei nº 11.441/07, cabendo esta função ao tabelião respectivo, devendo haver obtenção da documentação fiscal pertinente, o que, no caso do Estado de São Paulo, se encontra disciplinado nos termos da Portaria CAT-9/2007 da Secretaria de Estado da Fazenda.

Do mesmo modo, impende ponderar no sentido de que não serão tratadas no processo de inventário questões referentes a direitos que surjam em decorrência da morte do extinto, mas que não integraram seu patrimônio.

Seria o caso de se exemplificar pela situação da indenização securitária pela morte do de cujus que irá para o beneficiário apontado em contrato e não integra seu patrimônio pessoal, eis que somente será paga após sua morte (assim, em sede de planejamento sucessório, nada impediria que se deixasse esse tipo de indenização para um (a) concubino (a), resolvendo-se tormentosa questão a esse respeito, ou como disciplina do que modernamente se vem chamando família paralela ou uniões pluriafetivas – nas quais, não obstante exista afeto, o preconceito impeça o reconhecimento de alguns direitos).

O próprio artigo 794 do Código Civil já assevera que o capital estipulado não se considera herança, para os fins de direito, no contrato de seguro.

Isso (indenização securitária), obviamente, não se transmite aos herdeiros pela saisine. O mesmo se daria mutatis mutandi em relação ao advento do direito de perceber pensão por morte, o que se admite em sede de exemplificação acerca do tema.

Sobre a questão da indenização securitária, pertinente a referência ao seguinte aresto do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:

 

Agravo de Instrumento. Inventário negativo. Pleito dos agravantes quanto à obtenção de informações referentes a eventual contratação de seguro de vida pelo de cujus. Inviabilidade. Artigo 794 do Código Civil. Decisão mantida.

Recurso desprovido. Agravo de Instrumento nº 0058310-82.2012.8.26.0000, da Comarca de São José do Rio Preto, REL. CESAR CIAMPOLINI.

 

E se direitos que nascem da morte não devem figurar em inventário, o mesmo pode ser dito em relação a deveres que morrem com o devedor. Nesse sentido, oriundo do Tribunal de Justiça de São Paulo, impenderia destacar:

 

Locação de Imóvel, despejo por falta de pagamento c/c cobrança. Segundo previsão do artigo 836 do Código Civil, a responsabilidade da fiança se limita ao tempo decorrido até a morte do fiador. Se o débito é posterior ao óbito, a responsabilidade não se transfere ao espólio nem aos herdeiros.

 

 

De igual sorte impende ponderar no sentido de que nem sempre a existência de bens a serem partilhados conduzirá necessariamente à situação de propositura de uma ação de inventário, numa acepção técnica (rito mais complexo e extenso que, de todo modo não admite discussão de matérias de alta indagação – nos termos do artigo 984 do Código de Processo Civil – o que às vezes leva à necessidade de propositura de outras ações para a discussão de questões prejudiciais ao inventário).

Tal se dá na medida em que, por vezes, nos termos do advento das normas contidas nos artigos 1031 e 1036 e seus consectários do Código de Processo Civil, em casos de bens de pequena monta ou adjudicação de bens a um único herdeiro, restará autorizada a propositura de ação de ritos mais simplificados, qual seja, o arrolamento de bens (refere-se a ritos simplificados eis que se tem o arrolamento comum e o arrolamento sumário).

Ainda mais seria de se observar que existem casos em que sequer se cogitaria de inventário ou arrolamento, mesmo havendo bens a partilhar.

Referida situação se encontra disciplinada no advento das normas contidas nos artigos 1037 CPC, 2º da Lei nº 6.858/80 e 112 da Lei nº 8.213/91.

São os casos de propositura de simples pedido de alvará (hipóteses de levantamento de valores não recebidos em vida pelo finado no que se refere a saldos salariais ou de benefícios previdenciários, ou ainda valores de FGTS, PIS/PASEP, desde que inexistentes outros bens a inventariar).

 Quanto ao FGTS, inclusive, não se pode esquecer das orientações contidas nas Súmulas 82 e 161 do Superior Tribunal de Justiça que permitem a conclusão no sentido de que, não obstante a natureza institucional do fundo gestor desses recursos, os pedidos de alvará que possam ser caracterizados como causa mortis serão processados e julgados pela Justiça Estadual (competente para as ações de inventário) e não pela Justiça Federal.

Aclarada a questão, nesses termos, seria de se afastar outra idéia enganosa (além daquela no sentido de que inventário exista para transmissão de bens), qual seja, a de que exista associação direta e necessária entre inventário e existência de bens a serem partilhados.

Isso porque, sob o prisma prático, muitas vezes surge a necessidade de disciplina dessas relações entre de cujus sucessiones agitur e seus herdeiros, mesmo não havendo patrimônio a ser partilhado, não podendo o direito permanecer alheio a tais situações, ainda mais porque o advento da norma contida no artigo 5º, inciso XXXV da Constituição Federal permite a qualquer pessoa residente ou domiciliada na território nacional demandar em casos de lesão ou ameaça de lesão a seus direitos.

Não se nega que a grande maioria das situações vivenciadas no dia a dia recomende o inventário para situações em que exista a necessidade de se aferir a extensão de um patrimônio efetivamente existente.

Mas podem surgir situações em que exista um peculiar interesse jurídico no reconhecimento da situação jurídica da inexistência de bens, autorizando, sob tal perspectiva, o manejo de uma ação declaratória negativa que doutrina e jurisprudência convencionaram denominar inventário negativo de bens.

Nesse sentido a idéia de que inventário negativo seja “o procedimento por meio do qual se pretende demonstrar que não há herança a ser atribuída em favor dos herdeiros do de cujus. ... tem como objetivo principal demonstrar a inexistência da confusão patrimonial”.[9]

Nesse sentido de se apontar o quanto vem sendo decidido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo acerca da questão:

 

Inventário Negativo. Ausência de transmissão de bens impossibilita a responsabilidade dos herdeiros pelas dívidas art. 1792 do CC. Decisão reformada. Agravo de instrumento provido. Agravo de Instrumento nº 0023512-95.2012.8.26.0000 Rel. Piva Rodrigues.

 

 

No mesmo sentido, do mesmo Areópago (TJSP) o quanto asseverado no sentido de que o herdeiro deve demonstrar a inexistência da herança para não se responsabilizar pelo quinhão do preço devido pelo de cujus  em dado negócio jurídico. Orientação firmada no julgamento da AC 9183425-33.2007.8.26.0000, REL MELLO PINTO, ou ainda, na AC 9199220-45.2008.8.26.0000, REL JOÃO CAMILO DE ALMEIDA PRADO COSTA.

Com igual teor, entendendo, no entanto, cuidar-se de providência necessária, ainda do mesmo Tribunal (TJSP), de se pedir vênia para destacar:

 

Alegação de que o pai não deixou bens. Cabiam aos herdeiros provar o excesso, através do modo judicial do inventário negativo, para dar maior robustez para neutralizar a responsabilidade dos sucessores pelo cumprimento das obrigações do primitivo devedor. Como assim não fizeram, respondem com seus quinhões até o limite da fiança. Recurso desprovido. Apelação n° 992.06.067592-5, da Comarca de Sorocaba, REL. JÚLIO VIDAL

 

Impende ponderar no sentido de que, nesse caso em especial, existe referência a quinhões de herdeiros, o que, sob tal perspectiva pressupõe, do ponto de vista lógico, que houve ativo patrimonial, idéia que implicaria na inviabilidade da propositura de inventário negativo de bens.

Igualmente adequada a referência ao seguinte aresto do mesmo TJSP a disciplinar as hipóteses de cabimento do inventário negativo:

 

AGRAVO DE INSTRUMENTO Inventário Decisão que determinou a apresentação do esboço de partilha antes da alienação de qualquer bem do espólio Alegação de desnecessidade do esboço de partilha, por se tratar de inventário negativo Descabimento Hipótese em que o plano deverá demonstrar que todos os bens serão consumidos pelas dívidas deixadas pelo 'de cujus' e que nenhum quinhão hereditário será transmitido Aplicação do artigo 1.023 do CPC Necessidade de apresentação também para proteção da menor herdeira Esboço que, se apresentado, não causará nenhum dano às partes Recurso não provido. Agravo de Instrumento nº 0177343-66.2012.8.26.0000, da Comarca de São Paulo, REL WALTER BARONE.

 

Nesses termos, sem um interesse de agir efetivamente demonstrado, a justificar a movimentação da máquina judiciária estatal, não se tem admitido sucesso nesse tipo de demanda.

Ainda pedindo licença para transcrições, seria de se destacar do mesmo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, a seguinte orientação jurisprudencial:

 

INVENTÁRIO NEGATIVO Autora não demonstrou o interesse processual no ajuizamento do inventário negativo Herdeiros podem pleitear a habilitação na demanda trabalhista SENTENÇA DE EXTINÇÃO, com fulcro no artigo 267, inciso VI (falta de interesse processual), do Código de Processo Civil RECURSO DA AUTORA IMPROVIDO Apelação nº 0035588-17.2012.8.26.0562, da Comarca de Santos. Rel Flavio Abramovici

 

Nesse caso em especial seria de se apontar sutil diferença, eis que se cuidava de situação em que o de cujus sucessiones agitur já havia intentado a ação trabalhista, de modo que, nessas condições, a situação seria de simples sucessão no pólo (malgrado a má redação do artigo 43 CPC, com equivocada menção à substituição).

Realmente, com ação já em curso, ocorrendo o falecimento, já prevê a legislação processual outros tipos de providência diversos do inventário negativo (a suspensão – art. 265 CPC – até habilitação primeiro pelo espólio, ou já estando este encerrado, pelos herdeiros).

Diversa, no entanto, seria a solução acaso a reclamação trabalhista ainda não houvesse sido intentada quando da morte do extinto.

Aí haveria situação de falta de capacidade de exercício para mover a demanda (com a morte extinguiu-se a capacidade do finado, conforme é cediço). De tal sorte seria o caso de se formalizar pedido pelo seu espólio, representado pelo inventariante (art. 12 e seus consectários do Código de Processo Civil).

Contudo, se o morto não deixou bens a inventariar, não haveria tecnicamente um espólio (o crédito trabalhista ainda não foi reconhecido, havendo a necessidade de propositura da reclamação respectiva), de sorte tal que, nessas condições, seria o caso de se intentar ação de inventário negativo, possibilitando a indicação de inventariante que teria capacidade de representação dos interesses do falecido no juízo trabalhista.

Reconhecendo que em tal situação o inventário negativo se prestaria a esclarecer fatos e dar certeza e segurança jurídica a certas situações, devendo-se no caso de ausência de patrimônio aceitar como necessária a nomeação de viúva como inventariante para promover reclamação trabalhista, interessante precedente também do tribunal bandeirante, no julgamento da AC 0001509-11.2011.8.26.0606, Rel. Jesus Lofrano.

O critério diferencial será, portanto, a existência de necessidade ou utilidade no processamento do inventário negativo. Sobre o tema, também do tribunal paulista:

 

INVENTÁRIO NEGATIVO Ausência de bens a inventariar Situação excepcional que visa esclarecer situação pessoal ou patrimonial do viúvo ou de terceiro Autores que insistem na necessidade da certidão de nomeação de inventariante para darem baixa na CTPS do falecido junto à empresa em que trabalhava Obrigação da empregadora de fazer constar, no Termo de Rescisão de Contrato de Trabalho - TRCT o motivo “falecimento” - Obrigatória a indicação do código de movimentação do FGTS no referido Termo, que será firmado pelo beneficiário do falecido Hipótese, todavia, em que os herdeiros lograram levantar o FGTS, demonstrando que as providências já foram tomadas pela empresa Regularidade junto à previdência Falta de interesse de agir Extinção mantida Recurso improvido. Apelação nº 0345766- 91.2009.8.26.0000, da Comarca de Atibaia, LUIZ AMBRA

 

Ainda em pertinência com tudo quanto asseverado linhas acima, o seguinte julgado, versando sobre nova situação fática (erro na certidão de óbito a autorizar o reconhecimento de interesse de agir para o inventário negativo):

 

AGRAVO DE INSTRUMENTO. Decisão que determinou aos agravantes emendarem a inicial para converter pedido de alvará em inventário negativo. Crédito trabalhista não recebido em vida pelo seu titular. Hipótese em que, a despeito da norma prevista no art. 1º da Lei 6.858/80, é necessário o inventário negativo, porquanto consta da certidão de óbito do “de cujus” que ele deixou bens a inventariar e a dispensa do processamento do inventário somente se aplica quando o falecido não possuir outros bens. Recurso desprovido Agravo de Instrumento nº 0265187-54.2012.8.26.0000, REL MILTON CARVALHO.

 

Ainda sobre a necessidade de inventário negativo para corrigir situações quanto a erros verificados na certidão de óbito acerca da existência de bens, de se destacar do mesmo TJSP:

 

Inventário negativo. Possibilidade. Existência de credores. Assento de óbito do qual constou a existência de bens. Interesse de agir caracterizado. Extinção afastada. Sentença anulada. Recurso provido. Apelação nº 0003991- 35.2009.8.26.0077, da Comarca de Birigüi, Claudio Godoy

 

Mas dentro do escopo preconizado através do presente artigo, o que se pondera no sentido de que ainda haveria diversas hipóteses práticas da necessidade de propositura de inventários negativos (e ao se referir à necessidade, pelo óbvio, se está referindo à existência concreta do interesse de agir para tanto, enquanto condição do exercício do direito de ação).

Ora o escopo visado, nesses casos, para justificar a movimentação da máquina judiciária estatal será, justamente, a obtenção de uma declaração de que o extinto não deixou patrimônio a ser transmitido a qualquer herdeiro.

Ou seja, satisfaz-se o requisito de reconhecimento de uma tutela meramente declaratória, qual seja tutela que não possui senão o elemento declaração[10].

Basta, portanto, que se demonstre a necessidade e utilidade de se obter essa declaração negativa para que o inventário negativo se consubstancie na tutela adequada para tal finalidade. As hipóteses, portanto, não seriam de interpretação em numerus clausus (restritivas), mas, ao revés, seriam de interpretação em numerus apertus.

Veja-se a seguinte orientação no sentido de reconhecer-se inventário negativo de bens como modo de se evitar a caracterização de situação de herança jacente, formada no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em precedente muito interessante, cujos trechos principais se pede vênia para continuar a transcrever neste singelo artigo:

 

DIREITO PROCESSUAL CIVIL - inventário – imóveis prometidos à venda - prova da quitação do preço ausência de outros bens a serem inventariados configuração de inventário negativo e não herança jacente alvarás podem ser outorgados aos adquirentes Recurso provido. .....2 imóveis que foram objeto de compromisso de compra e venda firmado e quitado anteriormente à morte da de cujus. Portanto  presente caso é simplesmente de deferimento de expedição de alvarás judiciais para cumprimento de obrigação assumida em vida pela falecida. Agravo de Instrumento nº

0032903-74.2012.8.26.0000, da Comarca de São Paulo, Rel Moreira Viegas.

 

Não menos importante a situação referente ao reconhecimento da possibilidade de propositura de inventário negativo de bens para efeitos de caracterização dos requisitos necessários à configuração da usucapião constitucional urbano (como sabido, para a sua caracterização mister se fará a inexistência de outros bens pelo possuidor).

E isso veio a ser reconhecido pelo tribunal paulista no julgamento da AC 994.09.287247-1, Comarca de Socorro, Rel. Ênio Santarelli Zuliani.

 

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

 

CARVALHO NETO, Inácio. Direito das Sucessões, São Paulo: Saraiva, 2008.

 

COLANGES, Fustel de. A Cidade Antiga, São Paulo: Ediouro, 1988.

 

DIAS, Maria Berenice. Manual das Sucessões, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

 

LISBOA, Roberto Senise. Manual de Direito Civil, 5º V. São Paulo: Saraiva, 2009.

 

LOPES, João Batista. Ação Declaratória, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

 

MARKY, Thomas. Curso Elementar de Direito Romano, São Paulo: Saraiva, 1987.

 

OPITZ, Silvia C. B.; OPITZ, Oswaldo. Curso Completo de Direito Agrário, São Paulo: Saraiva, 2013.

 

SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico, 2º V. Rio de Janeiro: Forense, 1991.

 

WAMBIER, Luiz Rodrigues; TALAMINI, Eduardo. Curso Avançado de Processo Civil, 3º V. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.

 


[1] Nesse sentido interessantes ponderações históricas apontadas por Thomas Marky em célebre obra acerca de direito romano, mencionada nas referências do presente texto, às páginas 35 e seguintes.

[2]Fustel de Colanges. A Cidade Antiga, como mencionado nas referências ao final deste texto.

[3] Com narrativa acerca desta correlação entre propriedade e o seu caráter sagrado no direito romano e seu reflexo nos dias atuais, em obra mencionada nas referências deste texto, o entendimento de Silvia C. B. Opitz e Oswaldo Opitz, às fls. 65.

[4]À guisa de exemplificação, nesse sentido, destaca-se a opinião de Maria Berenice Dias em obra mencionada nas referências deste texto, p. 367.

[5] Nesse sentido, Inácio de Carvalho Neto, em obra mencionada nas referências bibliográficas deste texto à página 38.

[6] No seu famoso Vocabulário Jurídico, como destacado nas referências bibliográficas deste texto, p. 515.

[7] Obra mencionada nas referências da presente análise, às p. 422.

[8] Quanto a isso remete-se o leitor ao conceituado Curso Avançado de Processo Civil, de Luiz Rodrigues Wambier e Eduardo Talamini, às páginas 312/313, em detalhes nas referências bibliográficas do presente estudo.

[9] Com propriedade essa a opinião de Roberto Senise Lisboa, em conhecido manual, p. 434, devidamente identificado nas referências bibliográficas deste texto.

[10] Na feliz acepção de João Batista Lopes em conhecida obra mencionada nas referências do presente texto, à página 38.