Bruno Cação
O turismo acessível tem ganhado relevância crescente no cenário nacional e internacional, à medida que se busca garantir o direito ao turismo para todos, especialmente para pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida.
No Brasil, a trajetória da acessibilidade no turismo seguiu um caminho marcado por marcos legais importantes.
Em 1988, a Constituição Federal assegurou o direito à igualdade e inclusão das pessoas com deficiência. O artigo 5º assegura a todos o direito à igualdade, enquanto os artigos 227 e 244 tratam especificamente da necessidade de inclusão de pessoas com deficiência, garantindo-lhes acesso ao espaço público e ao lazer.
Em 2000, com a promulgação da Lei 10.098, conhecida como “Lei de Acessibilidade”, foram estabelecidas normas para a eliminação de barreiras arquitetônicas em edificações públicas e privadas de uso coletivo, bem como nos transportes públicos, tais medidas foram devidamente regulamentadas posteriormente por meio do Decreto nº 5.296/2004.
O ano de 2008 foi outro marco significativo, quando o Brasil ratificou a Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, reforçando o direito à acessibilidade no turismo. Em 2015, a Lei Brasileira de Inclusão (Lei 13.146), também conhecida como Estatuto da Pessoa com Deficiência, consolidou essas garantias, exigindo adaptações em hotéis, restaurantes, parques temáticos, aeroportos e outros serviços turísticos, bem como exigiu que informações fossem compartilhadas em formatos acessíveis.
Ainda em 2008, A Lei nº 11.771 (“Lei Geral do Turismo”), em seus arts. 5º e 6º, abordou a promoção da prática da atividade turística com igualdade de oportunidades, equidade e solidariedade.
Em 2021, a Organização Internacional de Padronização (ISO) lançou a primeira norma global sobre turismo acessível, a ISO 21902, estabelecendo um padrão internacional com as melhores práticas para que todas as pessoas possam desfrutar do turismo de forma igualitária.
Por fim, em 2024, a Lei Geral do Turismo, foi alterada pela Lei 14.002/2020, ficando assim conhecida como a “Nova Lei Geral do Turismo”. Tal alteração, reafirmou a inclusão como um princípio fundamental do turismo nacional, promovendo o turismo acessível por meio das iniciativas de competência do Sistema Nacional de Turismo.
A Nova Lei Geral do Turismo manteve como um dos principais objetivos do Sistema Nacional de Turismo, a promoção e o desenvolvimento de um turismo sustentável, acessível e inclusivo, observados os indicadores utilizados pela Organização Mundial do Turismo (OMT) e regulamentos.
Não restam dúvidas que a implementação de uma norma de padronização é capaz de gerar inúmeros reflexos significativos para o setor, ao passo que garante o fornecimento de padrões práticos e técnicos para a criação de uma infraestrutura setorial acessível aos consumidores de serviços turísticos com deficiência.
Ao propor diretrizes que elevam a qualidade do atendimento e da experiência turística para pessoas com deficiência, o setor e sua cadeia produtiva crescem e se profissionalizam. No turismo, a implementação da ISO 21902 está atrelada a (i) Infraestrutura: adaptação de edificações e instalações turísticas, garantindo acesso a pessoas com deficiência em hotéis, restaurantes, atrações turísticas e meios de transporte; (ii) Capacitação: treinamento de funcionários e adaptação de procedimentos de atendimento ao público com necessidades especiais; e (iii) Comunicação acessível: Oferta de informações turísticas em formatos acessíveis.
Empresas pertencentes a cadeia produtiva do turismo que adotam normas de padronização como a presente estão mais preparadas para atender às exigências legais e, ao mesmo tempo, se destacar pela qualidade e inovação no atendimento inclusivo. Dado que a responsabilidade da cadeia produtiva do setor é objetiva, a não observância dessas premissas pode acarretar em penalidades administrativas e ações judiciais, independentemente de culpa.
A adoção da ISO 21902 funciona como uma medida de compliance, auxiliando as empresas a minimizarem riscos jurídicos e a se proteger contra litígios. Além disso, a conformidade com a norma pode ser utilizada como defesa em disputas judiciais, demonstrando que a empresa seguiu as melhores práticas internacionais para garantir a acessibilidade de seus serviços e instalações.
Embora a norma em questão ofereça benefícios significativos para o setor turístico brasileiro, sua implementação pela cadeia produtiva enfrenta desafios, como os altos custos de adaptação da infraestrutura, especialmente para pequenas e médias empresas, a falta de capacitação adequada dos profissionais para atender turistas com deficiência e as desigualdades regionais em infraestrutura turística, que dificultam a aplicação uniforme da norma. Superar esses obstáculos requer políticas públicas que incentivem o turismo acessível, como programas de financiamento, incentivos fiscais e investimentos em educação e treinamento contínuos para as equipes.
Considerando os desafios até aqui mencionados, entendemos que a devida aplicação de uma norma ISO pode sim mitigar riscos jurídicos, promover a inclusão e garantir que o turismo no Brasil seja verdadeiramente para todos. O alinhamento entre as normas internacionais de acessibilidade e a legislação nacional é um passo importante para o desenvolvimento sustentável e justo do turismo no país.