Por Pedro Costa*
Membros de sociedades empresárias devem portar-se, nas relações entre si, conforme os princípios da lealdade e da probidade, postulados fundamentais de todas as relações particulares. A dinâmica própria das sociedades implica a necessidade de confiança entre os sócios, algo fundamental para que haja harmonia e a vida social flua bem. O momento em que a relação entre sócios vai ser posta à prova é nas deliberações societárias, as assembleias e reuniões de sócios.
A temática das deliberações sociais é cara no direito societário, com tanto o Código Civil (para as sociedades limitadas) quanto a Lei n. 6.404/1976 (para as sociedades anônimas) dedicando vários artigos para regular os conclaves. A Lei das S.A., especificamente, dedica um artigo, o 115, para definir como os sócios devem comportar-se em assembleias, dispondo que eles devem exercer o voto no interesse da companhia. Ele dispõe, ainda, que o voto será considerado abusivo quando “exercido com o fim de causar dano à companhia ou a outros acionistas, ou de obter, para si ou para outrem, vantagem a que não faz jus e de que resulte, ou possa resultar, prejuízo para a companhia ou para outros acionistas”.
O exercício do direito de voto é complementado pelo § 1º do mesmo artigo, que postula que o acionista não poderá votar em determinadas matérias, nem quando tiver interesse conflitante com o da sociedade.
O caput trata de situações de abuso de voto, ao passo que o § 1º trata do conflito de interesses. Na primeira situação, há uma proibição legal para que o acionista vote em determinada matéria. Há uma presunção, nesse caso, de que o interesse do acionista sempre estará em conflito com o da sociedade. O voto proferido nesse caso será nulo e, se foi essencial para a formação da maioria na assembleia, o conclave será anulável, bem como responderá o acionista pelos danos causados pelo voto abusivo.
Mas o que vem a ser considerado como interesse da companhia? A doutrina societária debate o tema há décadas, mas a maior parte entende-o como o interesse comum dos sócios na condição de sócios. Ficam excluídos, portanto, eventuais outros interesses em comum que porventura tenham, como no caso de serem membros da mesma família. O interesse em comum, para parcela tradicional da doutrina, tende a ser a busca pela maior eficiência da sociedade e consequente maior geração e distribuição de dividendos.
Situações de voto abusivo são mais fáceis de identificação, pois sua verificação deve seguir alguma das hipóteses do caput do artigo 115 da Lei das S.A. O § 1º traz um exemplo tradicional do direito societário: a vedação de acionista-administrador votar na aprovação de suas próprias contas, situação em que a lei presume uma incompatibilidade entre o que pretende o acionista e o interesse da companhia.
O conflito de interesses será instaurado quando o voto de determinado acionista for contrário a esse interesse comum, algo que somente será verificado no caso concreto. Enquanto as hipóteses de voto abusivo são taxativas, o conflito de interesses é uma fórmula aberta, a ser aplicada para proteção do interesse social, com consequente anulação da assembleia caso o voto tenha sido essencial para a formação da maioria.
A situação se torna ainda mais delicada caso se trate do acionista (ou dos acionistas) controlador. O exercício do poder de controle está condicionado à realização do objeto social e da função social da empresa (artigo 117, parágrafo único, da Lei das S.A.), respondendo o controlador pelos atos praticados com abuso de poder. Dentre as hipóteses de abuso do poder de controle está a da alínea “c”, que trata de promoção de alterações estatutárias, emissão de valores mobiliários ou adoção de políticas que não sejam conforme o interesse da sociedade e visem prejudicar os minoritários.
Os interesses do controlador jamais podem sobressair sobre o interesse social. Nessa situação, caberá aos minoritários buscarem uma tutela judicial adequada para a proteção de seus interesses (seja a anulação da deliberação, a responsabilização do controlador pelos prejuízos auferidos ou até mesmo a tentativa da exclusão judicial do controlador).
O tema, portanto, é delicado, sendo recomendado que os acionistas sejam sempre bem assessorados antes da realização de um conclave, para que tenham noção dos limites da possibilidade de sua atuação e as opções que lhes são postas. Havendo dúvida sobre como proceder, em uma situação de difícil dissociação entre o que o acionista almeja pessoalmente e o interesse social, a abstenção do voto pode ser medida recomendável, para evitar problemas posteriores que possam prejudicar a convivência social e os resultados da empresa.
*Pedro Costa é advogado do Departamento Corporativo da Andersen Ballão Advocacia.
Sobre a Andersen Ballão Advocacia – Fundado em 1979, o escritório atua na prestação de serviços jurídicos nas áreas do Direito Empresarial e Comercial Internacional. Também possui sólida experiência em outros segmentos incluindo o Direito Tributário, Trabalhista, Societário, Aduaneiro, Ambiental, Arbitragem, Contencioso, Marítimo e Portuário. Atende empresas brasileiras e estrangeiras dos setores Agronegócios, Automotivo, Comércio Exterior, Energias, Florestal, Óleo e Gás, TI, e Terceiro Setor, dentre outros. Com a maioria dos especialistas jurídicos fluente nos idiomas alemão, espanhol, francês, inglês e italiano, o escritório se destaca por uma orientação completa voltada para a ampla proteção dos interesses jurídicos de seus clientes e integra os rankings de melhores bancas Análise Advocacia 500 e Chambers & Partners.